Entrevista

Joyce Moreno conversa com o IMMuB sobre suas memórias musicais

Por Cecília Innecco

quarta, 27 de março de 2024

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Joyce revela os momentos marcantes que moldaram sua jornada musical

O Instituto Memória da Música Brasileira (IMMuB) tem o privilégio de apresentar uma entrevista exclusiva com a renomada cantora e compositora Joyce Moreno, uma das vozes mais distintas e influentes da música brasileira no exterior. Em um diálogo cativante, Joyce compartilha suas primeiras lembranças musicais, destacando a influência do ambiente familiar e sua relação com ícones da música nacional.

Nesta entrevista enriquecedora, Joyce Moreno nos convida a mergulhar nas profundezas da música brasileira, celebrando sua rica herança cultural e sua inegável capacidade de inspirar, emocionar e unir. Vem com a gente conhecer um pouquinho mais dessa mulher que abriu caminho para tantas outras na nossa música, neste especial do Tema do Mês “Compositoras Incríveis da MPB”:

IMMuB: Sobre suas primeiras lembranças musicais, qual é a primeira canção que vem à sua mente quando pensa na sua infância e como ela influenciou sua relação com a música e até com a composição? 

Joyce Moreno: Eu ouvi muita música de Carnaval na minha infância e as músicas que as pessoas cantavam na rua - Carnaval de rua em Copacabana, também tinha. Enfim, mas lá em casa tinha muita música, era uma casa muito musical, minha mãe ouvia muitos discos, muito rádio, meus irmãos também, meus irmãos bem mais velhos que eu, mas tinha todo esse ambiente musical. A primeira música eu me lembro muito de mim, com seis anos de idade, cantando “Feitiço da Vila”, do Noel, com meu irmão me acompanhando no violão, isso era o nosso número nas festinhas de família. A gente fazia muito isso. E, bom, Noel Rosa é uma influência, com certeza, uma influência muito grande para mim. 

IMMuB: Que música ou compositor te fez ter vontade de compor e por quê? 

Joyce Moreno: Quando eu tinha dez anos de idade, eu vi o João Gilberto na televisão cantando a música “A Felicidade", de Tom e Vinicius. Essa cena eu sempre conto porque foi uma coisa muito forte para mim. Eu ouvi aquilo - porque todo mundo fala “foi ‘Chega de Saudade’ que me impressionou e não sei o quê”, mas eu já estava preparada para ouvir a Bossa Nova. Quando apareceu a gravação de João Gilberto de “Chega de Saudade", eu já conhecia antes Johnny Alf e João Donato, que meu irmão trazia essas coisas da rua. Ele ia para a Boate Plaza com os amigos dele e ouvia essas coisas maravilhosas que era a pré-Bossa Nova acontecendo, né? Mas quando eu vi João Gilberto na televisão cantando  “A Felicidade" de Tom e Vinicius, aquilo foi um impacto para mim tão forte que eu fui para o meu quarto, chorei e rezei, pedi a Deus que eu queria aprender a fazer aquilo. Olha só, o padrão que eu estava pondo para cantar, a altura do sarrafo: Eu queria cantar e tocar como João Gilberto, fazer música como Tom Jobim, escrever letra como Vinicius de Moraes, não menos do que isso [risos]. Era assim, um padrão bastante alto, né? Mas eu tinha dez anos e isso para mim foi muito forte. 

IMMuB: Você tem algumas parcerias nas suas composições, tem alguém que gostaria muito de ter feito uma parceria e ainda não aconteceu ou não será mais possível? 

Joyce Moreno: Olha, que não será mais possível sim. Imagina, tanta gente que já foi, que já partiu, mas eu acho que eu tive muita sorte porque eu consegui ser parceira de pessoas que eu admiro muito e que já foram, como Carlos Lyra e João Donato, por exemplo, mas que foram parceiros maravilhosos e que muita honra eu tive de compor com eles. Claro que sempre tem alguém que você gostaria de ter feito uma coisa e tal, mas às vezes não dá tempo, um não deu tempo, o outro não aconteceu por acaso e tal. Claro, tem muita gente, eu levaria aqui um dia inteiro para falar sobre isso. Digamos assim que se eu tivesse uma letra de Gilberto Gil, por exemplo, em uma música minha, eu ficaria muito feliz, eu adoro.

IMMuB: Que música brasileira você gostaria de ter composto? 

Joyce Moreno: Eu gostaria de ter feito qualquer música de Tom Jobim, por exemplo. Todas as canções dele, acho maravilhosas, todas. Enfim, o Brasil não valoriza, porque é muita gente, são muitos gênios ao mesmo tempo, muita gente genial ao mesmo tempo. Então você vê, por exemplo, Chico Buarque, o que é aquilo? Que obra aquela? Então, tem muita gente, muita música que eu ouço e eu digo, puxa, eu queria ter feito essa, muita coisa muito maravilhosa. Mas eu vou voltar ao Gil, eu acho que tem umas canções do Gil, principalmente as canções mais reflexivas, por exemplo, aquela que se chama “Metáfora", por exemplo, eu adoro essa música. Tão perfeita, tão bem alinhada e tão bem costurada essa canção. Está aí, “Metáfora" de Gilberto Gil

IMMuB: Como é a sensação de ver suas composições se tornando parte da vida das pessoas, evocando memórias e emoções? 

Joyce Moreno: O Dorival Caymmi, que é um dos meus ídolos, ele sempre falava que o sonho dele era que as músicas dele virassem uma “Ciranda Cirandinha”, que é aquela coisa amorosa, popular, que você nem sabe mais quem é o autor, e isso ele conseguiu, porque você ouve em qualquer lugar as crianças cantando “minha jangada, vai sair pro mar” e ninguém sabe que é dele, né? Então, nesse caso, eu consegui isso de certa forma com “Clareana", que é uma música que se você procurar no YouTube você vai achar algumas centenas de vídeos de crianças pequenas cantando essa música, então essa é minha “Ciranda Cirandinha". 

Outra coisa que eu fico muito feliz, e que já aconteceu muitas vezes, é quando as pessoas falam para mim que ficaram felizes quando ouviram uma música minha, sabe? Pessoa que diz assim - já aconteceu em vários lugares, inclusive fora do Brasil várias vezes - tipo uma moça na Finlândia, que é aquele lugar que tem certas épocas do ano que fica tudo escuro e tem sol duas horas por dia e acabou. E ela dizia assim, "eu tinha muita dificuldade de sair para trabalhar de manhã, porque estava tudo escuro, aquela noite que não passa, aí eu botava o seu disco e eu me sentia como se eu tivesse num dia de sol e eu saía animada para trabalhar". Ou as pessoas que falam que ouviram a minha música e de alguma forma fez bem a elas e se sentiram felizes, esqueceram de problemas. No fundo, no fundo, eu acho que a gente faz música para isso, né? Para trazer um estado de espírito bacana para as pessoas, né? Tom Jobim tinha uma frase linda que dizia que “o sentido da música é elevar as pessoas a Deus”. E é um pouco isso, você está comungando com o universo quando você ouve música, né? Eu sou partidária da leveza e eu gosto muito quando as pessoas me falam essas coisas. Fico muito feliz, acho que cumpri minha missão. 

Joyce Moreno em entrevista ao IMMuB

IMMuB: O IMMuB se dedica a preservar a memória musical brasileira. Gostaríamos de saber a sua opinião sobre o papel da música na propagação da nossa identidade cultural e memória. 

Joyce Moreno: Eu acho que a identidade cultural é o que faz uma nação. Não adianta todo mundo falar a mesma língua se não tem uma identidade cultural em comum. Você vê que na América Latina todo mundo fala espanhol mas são vários países, cada um com uma identidade própria. O Brasil conseguiu incrivelmente e é por causa da música, eu diria. Porque foi com a Rádio Nacional, a primeira vez que a rádio se espalhou pelo país inteiro e todos se sentiram brasileiros em conjunto. Por quê? Porque tinha música brasileira ali. Eu acho que nós somos muito privilegiados e a identidade cultural maior que tem no Brasil é a música brasileira, mesmo. Acho que é o que une esse país, esse país ainda não se dividiu por causa da música brasileira. Que seja da região que for, mas a gente ouve e a gente sabe que aquela ali é a nossa pátria, a nossa pátria é a nossa música. 

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E que orgulho ter Joyce Moreno em nossa música, deixando a nossa identidade cultural ainda mais rica com sua delicadeza e elegância. Agradecemos imensamente ao seu assessor Beto Feitosa e a esta cantora, instrumentista e compositora incrível pela sua atenção e generosidade com o Instituto.


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