A música de

Lana Bittencourt, 'A Internacional'

por Bruna Aparecida Gomes Coelho

segunda, 15 de fevereiro de 2021

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Lana Bittencourt nasceu no dia 5 de fevereiro de 1931 na cidade do Rio de Janeiro. Dona de uma brilhante carreira, a artista está completando neste mês seus 89 anos. Lana carimbou seu nome na história da música popular brasileira: se tornou uma das cantoras mais marcantes da Era do Rádio. Conhecida por seu estilo passional e melodramático, a cantora foi uma das grandes Divas do Rádio, sendo que o auge de sua carreira foram as décadas de 1950 e 1960. Angela Maria a considerava uma das melhores cantoras daquela geração.

A artista começou a dar sinais de seu talento ainda muito cedo ao imitar Shirley Temple para os pais em brincadeiras familiares, devido a sua enorme semelhança com a cantora – era tão parecida que, segundo sua mãe, não pagava entrada nos cinemas Eldorado e Odeon quando criança. A avó, que era italiana, percebeu o interesse da neta e o gosto musical, incentivando-a a estudar música. Desde criança ela se apresentava em reuniões e eventos com a presença de seus familiares e amigos. Segundo Lana, o seu lado passional surgiu por influência de seu pai, gaúcho, que sempre ouvia e cantava tangos. Assim, desde muito pequena ela foi incorporando essa atitude em seu estilo musical, o que lhe garantiu muito sucesso entre os argentinos e uruguaios. 

Recebeu a alcunha de “A Internacional” nas rádios, devido à sua capacidade de cantar em vários idiomas – ela interpretava canções em português, castelhano, francês, italiano e inglês. Segundo matéria publicada em 1955 na Revista do Rádio, Lana cursava a faculdade de Filosofia quando decidiu abandonar os estudos para se dedicar exclusivamente ao canto, abdicando da pretensão de ser professora de línguas anglo-germânicas. 

Ficou conhecida por um “jingle” que abriu seu caminho na carreira artística, história pouco conhecida por seus fãs e admiradores. A Radiolândia publicou uma matéria em 1956 explicando que o pai de Lana era sócio de uma empresa chamada “Rodoviária Estrela do Norte Ltda”, que possuía uma frota de caminhões e era responsável pelo transporte de cargas pelo país. A empresa era nova, fundada em 1951, mas já fazia sucesso em 1952 e auferia bons lucros. Para atrair novos clientes decidiram criar uma campanha de propaganda, que incluía a gravação de um “jingle” pela RCA Victor. No fim, foi gravado um compacto simples com duas músicas completas. Todos conheciam o talento de Lana, pois ela se apresentava em reuniões com os sócios do pai e membros da empresa. Lembraram-se dela e, da noite para o dia, a inexperiente cantora estava no estúdio gravando pela primeira vez. Logo a empresa começou a receber inúmeras cartas perguntando quem era a dona daquela formosa voz e, atrás das cartas, vieram os convites para apresentações. A jovem cantou pela primeira vez na Rádio Iracema, em Fortaleza, durante quatro dias seguidos. Posteriormente, fez uma turnê de dois meses pelo norte e nordeste percorrendo as principais cidades e voltando consagrada para sua casa. 

Na capital do país, Lana Bittencourt iniciou sua carreira artística em 1954 pela Rádio Tupi (Rio de Janeiro) e no mesmo ano gravou seu primeiro disco 78rpm pela Todamérica, com os sucessos “Samba da noite” (Luís Fernando e Wilton Franco) e “Emoção” (Emanuel Gitahy e Wilson Pereira). Permaneceu na Todamérica apenas em 1954 e depois assinou contrato com a Columbia, que tinha sede nos Estados Unidos.

Na Columbia Lana gravou a maior parte de seus discos: entre 1955 e 1962 foram 27 registros. Durante esses anos suas gravações figuraram entre as mais vendidas de São Paulo e Rio de Janeiro, sempre sendo citadas em seleções musicais importantes da época. É o caso de “Alone”, “Little Darling” e “Se alguém telefonar”. Esses três discos ficaram juntos no “Campeões da Popularidade”, uma façanha que justificava Lana rivalizar com Maysa em matéria de vendagem de discos. 

Little Darling” é uma das canções que marcaram a carreira de Lana Bittencourt. Sua interpretação e inglês perfeitos a colocaram entre os discos mais vendidos por mais de uma vez e lhe renderam uma indicação para que fosse gravado nos Estados Unidos. A cantora chegou a ir à apresentação do disco no país estrangeiro. Tais fatos eram inéditos nesse período, além de ter sido memorável o episódio de uma música originalmente gravada por americanos ser lançada, nos Estados Unidos, por um artista brasileiro. Na Revista do Rádio (1959) afirmou-se que “até gravar ‘Little DarlingLana Bittencourt era apenas uma boa cantora” e que “como o disco foi para as paradas de sucesso, começou a ser solicitada para viagens e ganhou fortuna, fama e cartaz”. A canção fez tanto sucesso que ela fechou aquele ano no topo das figuras femininas do disco, sendo a cantora mais bem cotada da temporada. 

Imagem retirada de Radiolândia, edição de 1958

Após sair da Columbia, Lana foi contratada da CBS onde realizou gravações em 1963, destacando-se “Chariot”, que figurou entre as músicas mais ouvidas do Rio de Janeiro e São Paulo. Além disso, o LP “O Sucesso É Lana Bittencourt” é relembrando como um dos mais belos de sua carreira devido à direção e participação de Astor Silva e orquestra. Em 1965 gravou dois LPs, “Retrato do Rio” e “Lana no 1800”, pela Philips. 

Lana teve seus próprios programas nas rádios em que foi contratada. Começou na Rádio Tupi, mas logo foi contratada pela Mayrink Veiga, onde permaneceu por alguns anos. Também se apresentava em outras emissoras, como a Rádio Guarani e a Rádio Nacional de São Paulo. Por ser uma das Associadas do Rádio participou dos concursos de “Rainha do Rádio”, sempre sendo citada em matérias da época e elogiada pelos ouvintes e críticos por causa de seu alto nível musical.

A artista também foi apresentadora em alguns programas de televisão, sendo que tinha uma preferência pelas câmeras dada a sua timidez de lidar com os palcos e o público. Contratada pela Organização Victor Costa, ela tinha atividades nas emissoras do Rio de Janeiro e São Paulo. Um de seus grandes sucessos foi o programa “A Noite é de Garbo”, que era transmitido pela “Nacional-TV-Paulista” e televisionado pelo canal 5 em São Paulo. Em 1958 chegou a ter programas de televisão em ambos os estados, de tanto que era solicitada pelo público. Todos os programas de rádio e TV de Lana eram sempre bem recebidos, atestando ótimos índices de audiência e demonstrando o enorme número de fãs que ela tinha.

Atuou em películas para o cinema e cedeu sua voz em trilhas sonoras que marcaram época, como nos filmes "Chofer de Praça" (1958), "Jeca Tatu" (1959) e "As Aventuras de Pedro Malasartes" (1960) do cineasta Amácio Mazzaropi, que é considerado o maior cômico do cinema brasileiro. Nas palavras de Lana, Mazzaropi era o “Chaplin brasileiro” e um artista fantástico. 

Apontada como uma das mais elegantes do rádio, Lana sempre era mencionada ao lado de grandes nomes, como Cauby Peixoto. Não por acaso ela marcou seu nome na história da música de 1958. Eleita pelo “Melhores do Rádio” foi premiada com o “Microfone de Ouro” na categoria de melhor cantora. Também foi escolhida pela Radiofônica como melhor cantora popular de 1958 e recebeu o Prêmio Roquette Pinto por ter sido a “cantora destaque das rádios de São Paulo”. 

Lana Bittencourt enfrentou o preconceito de sua época. Escolheu ser artista em um período que as mulheres eram julgadas por se dedicarem ao trabalho, tornando-se mais independentes dos companheiros. Em suas palavras, “era preconceito com enfermeira, com telefonista e com artista”. Lana se casou e teve dois filhos e, mesmo com o apoio de seus familiares e o incentivo do público, decidiu desacelerar o ritmo de sua carreira. Em entrevista concedida ao jornal O Globo (1978), quando estava retornando aos palcos, ela afirmou: “Resolvi descansar no auge da minha carreira. Precisava mais que tudo de um encontro comigo mesma e assumir o papel de mulher e de mãe”. Por isso, Lana não gravou discos na década de 1970. Voltou aos estúdios na década seguinte, lançando dois LPs: um pela AVM Discos (1982) e outro pela Fermata (1986). Este, intitulado “Karma Secular”, marcou seus 30 anos de carreira.   

Na década de 1990 começou a fazer pequenos shows para eventos especiais – como casamentos, formaturas e almoços/jantares de celebração – sendo sempre acompanhada por alguns músicos. Em 1998 lançou um CD com seus maiores sucessos, incluindo “Ouça” (Maysa), “Olhos nos olhos” (Chico Buarque) e “Maria, Maria” (Milton Nascimento e Fernando Brant). 

Nos anos 2000 seguiu fazendo apresentações pelo Brasil. Entre 2010 e 2011 realizou dois shows no Teatro Rival BR com participações de Rogéria, Alcione, Ney Matogrosso e Mariana Braga, que é neta de Lana. Tais shows, sob a direção do jornalista Rodrigo Faour, lhe renderam um CD duplo e o primeiro DVD de sua carreira, intitulado “Lana Bittencourt – A Diva Passional”, os quais foram lançados em 2013 pela “Coleção Canal Brasil”. Foi um momento espetacular de sua carreira, com todas as honras e glórias que a cantora merecia. Ainda em 2010 e também no Teatro Rival BR, Lana se apresentou em récita única que foi dirigida e apresentada por Ricardo Cravo Albin, na qual contou com a participação de Elymar Santos e novamente de sua neta Mariana Braga. Em 2012 ela fez parte de um grupo de cantoras do rádio (Dóris Monteiro, Adelaide Chiozzo, Sônia Delfino e a própria Lana) que estreou no show “MPB pela ABL – A volta das cantoras do Rádio”, que também foi dirigido e apresentado por Ricardo Cravo Albin, no auditório Raimundo Magalhães. Participou do espetáculo “A Noite – Nas ondas da Rádio Nacional” de 2014, ao lado de Ellen de Lima e Adelaide Chiozzo no Teatro Rival BR.

Lana Bittencourt é uma artista que conseguiu expandir seu sucesso pelos Estados Unidos, América Latina e Europa, e que continua nos brindando com sua voz incrivelmente potente. Salve Lana Bittencourt, “A Internacional”, e seus 89 anos de vida!



Bruna Aparecida Gomes Coelho é doutoranda em História Social pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, desenvolve pesquisas sobre o mundo do samba na ditadura militar. 



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