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Manguebeat: Do Mangue ao Mundo

por Raul Domingos

sexta, 11 de fevereiro de 2022

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No mês em que se completam 25 anos da precoce morte do cantor e compositor Chico Science, o IMMuB irá recordar um pouco da trajetória do principal idealizador e expoente do movimento de contracultura conhecido como Manguebeat que foi responsável por dar uma nova cara à cena musical do estado de Pernambuco. Vem com a gente, caranguejo!


O Movimento do Mangue+Bit

Em 1991, Chico Science, como o jovem Francisco de Assis França Caldas Brandão ficou conhecido, teve contato através do percussionista Gilmar Bolla 8, com o bloco afro ‘Lamento Negro’, que tocava samba-reggae em Olinda. Impressionado com o que ouvia, não tardou para que as referências de músicas americanas fossem pensadas com ritmos brasileiros mais tradicionais dotados de grande senso rítmico, como o maracatu, coco e embolada.

Em junho do mesmo ano, Chico Science e Fred Zeroquatro apresentaram um movimento que iria revolucionar a cena musical de Recife, que inspirados em “Homens e Caranguejos'', do escritor pernambucano Josué de Castro, encontram na cena do mangue o ecossistema ideal para toda a expressão que estava por vir. 

Assim, se despontando de uma obra que transmite a visão de uma sociedade baseada nas tradições culturais e nordestinas que planeja tirar todo o poder das mãos dos ricos, que nasce o manifesto “Caranguejos com Cérebros”, texto onde Fred Zeroquatro revela o que se passava pelas veias de uma Recife tomada por sucessivas crises democráticas e sociais, recorte que mostra o intuito de inclusão social a que o movimento se propunha.

Nesse momento, o rock, pop e hip-hop explodia no país como resultado de uma massificação disseminada pelas mídias, e nisso Chico viu a possibilidade de desorganizar a música brasileira do momento ao juntá-la com suas raízes regionais, como com o coco, maracatu e a ciranda, em uma antropofagia sonora que trouxe uma transformação mútua para o cenário cultural que se despontou fora do eixo Rio-São Paulo, misturando a tradição com a modernidade.

Se mantendo em constante interação e movimento, o Manguebeat só teve o devido destaque a partir do ano de 1994, com o lançamento de dois discos que permitiram que a lama invadisse todo o país, sendo eles “Da Lama Ao Caos”, de Chico Science & Nação Zumbi, e “Samba Esquema Noize” de Mundo Livre S/A, álbuns que sintetizaram o diálogo dos elementos regionais com as inovações vindas de fora do país, em uma estética e poética tecnológica que chegava com a velocidade que o mundo viria a tomar.

Com o crescimento do movimento então surgiram outras bandas que se identificavam com o viés do Manguebeat, como Sheik Tosado, Mestre Ambrósio, DJ Dolores, Faces do Subúrbio, Eddie, e assim, mostrou o impacto dessa expressão que se seguiu pelos anos seguintes.

A simbiose sonora desse movimento foi capaz de aproximar ritmos e influências regionais com o pop difundido pelas rádios no país, e vem como resposta numa tentativa de trazer os ouvidos para o nordeste, para uma nova cena que emergia e refletia a realidade da periferia de Recife.

Porém, o Manguebeat acabou por se chocar com o Movimento Armorial, também vindo de Pernambuco, e aqui neste ‘embate’ foi onde se discutiu como a herança cultural do estado seria eternizada frente às consequências e interações culturais resultantes da globalização.

Movimento Armorial, que teve seu início nos anos de 1970, consistia em uma iniciativa de valorização da cultura popular do nordeste brasileiro, a mantendo a salvo de uma indústria cultural globalizada e massificada.

Já o Manguebeat, acreditava na inserção de ritmos locais às sonoridades pop trazidas de fora, principalmente dos EUA e Europa, como o funk, rock, hip hop e punk, em uma tentativa de universalizar os elementos nacionais, com o intuito de apresentar uma nova cena para o mundo, que se desorganizou para transformar.

Ainda que com visões antagônicas, o Manguebeat surge por conta da necessidade e inevitável presença de uma transformação cultural vinda em consequência de uma massificação da indústria cultural, onde aos poucos se apagaria as raízes e influências que anteriormente nos norteavam.

E hoje, é possível identificar que esse choque de movimentos se tratou de um conflito geracional, e que encontra harmonia em enaltecer as raízes pernambucanas dentro da imagem cultural brasileira em um momento em que o espaço para as expressões regionais não mais tinham o mesmo espaço.

Tendo lançado mais um disco na carreira (Afrociberdelia - 1996) antes de sua passagem, Chico Science foi capaz de ser sinônimo de transformação ao oferecer uma valorização da cultura de raiz e da periferia de Pernambuco, tocou seu maracatu para um país acompanhado de uma poética revolucionária que mira para o afrofuturo.

O Manguebeat se mostra um ecossistema de transformação e interação mútua com o mundo, tendo a disposição de conectar as vibrações do mangue à tecnologia atrelada a uma poética popular, sendo inevitável que a lama invadisse os ouvidos do Brasil!


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