Colunista Convidado

Marcel Powell e Armandinho Macedo dão show de bola em “Baden Powell Tribute ao vivo”

por Tárik de Souza

segunda, 03 de julho de 2023

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O fluminense da cidade de Varre-e-Sai, Baden Powell de Aquino (1937-2000), foi o maior violonista de sua época – e não apenas no Brasil. Tendo decolado a partir da diversificada plataforma de lançamentos da bossa nova (“Apresentando Baden Powell”, saiu no mesmo 1959, de “Chega de saudade”, de João Gilberto), ele abriu novos horizontes no movimento com os afro sambas, escritos em parceria com o poeta Vinicius de Moraes, em 1966. Além disso, lançou aqui obras primas memoráveis como “Baden Powell à vontade” (1964), “Tempo feliz”, com o gaitista Mauricio Einhorn (1966), “27 horas de estúdio” (1969), “Lotus”, “Estudos” (1971), “É de lei” (1972) e “João Pernambuco e o sertão” (2000). Mas, uma grande parte de sua copiosa discografia foi registrada no exterior. Na Alemanha, de “Tristeza on guitar” (1966), “Poema on guitar” (1967) a “Live in Hamburg”  (1983) e “The Frankfurt Opera Concert” (1992) na Bélgica, “Live a Bruxelles” (2005), na Suíça, “Live in Switzerland” (1992), “Live at Montreux Jazz Festival” (1995). E mais as incontáveis edições francesas, como “Le monde musical de Baden Powell” vol 1 (1964), Vol. 2 (1969), “Face au public Olympia” (1972), “Solitude on guitar” (1973), “Le genie de Baden Powell” e os dois volumes de “Le grand reunion”, com o violinista Stephanie Grappelli, em 1974. O executante virtuoso de pegada vigorosa e amplo cardápio estético acabou deixando em segundo plano o compositor Baden Powell. 

Créditos: Kuarup

Por isso, sempre é bom relembrar sua grandeza autoral, que salta do magnífico álbum “Baden Powell Tribute ao vivo” (Kuarup), congregando o violão de seu filho Marcel Powell e o bandolim de Armandinho Macedo, filho de Osmar Macedo, um dos criadores do Trio Elétrico baiano. Gravado ao vivo no Café Teatro Rubi, em Salvador, em 2019, e lançado no ano seguinte, o disco sai agora em nova edição com ajustes e tratamentos no áudio. Trata-se de uma dupla à altura das culminâncias do compositor tributado. Marcel Powell nasceu em Paris, em 1982, é músico profissional desde os 9. Seu professor foi o pai, com quem gravou dois discos “Baden Powell e filhos” (1994) e “Suite afro consolação” (1997), registrado no Japão, com a participação do irmão Philippe Baden ao piano. Estreou solo em “Samba novo” (2002), seguiu no “Aperto de mão”, cuja faixa título celebra o co-autor Jaime Florence, o Meira, professor de violão do pai. Com o Marcel Powell Trio mandou “Corda com bala” (2009), homenageou o sambista portelense em “Violão, voz e Zé Keti” com o cantor Augusto Martins (2013), e o pai, em “Só Baden” (2016), ao lado de Hamilton de Hollanda, Gilson Peranzzetta e Victor Biglione. “Tempo livre”, de 2018, traz maioria de composições próprias. 

Também precoce, aos 10 anos, Armandinho já estava à frente de um trio elétrico mirim que o pai fez para ele, na folia baiana. Na década de 70, passou a fazer parte do Trio Elétrico Armandinho, Dodô e Osmar, com quem gravou discos como “Jubileu de prata" (1975) e “Jubileu de ouro” (2000), “Pombo correio” (1977), “Vassourinha elétrica” (1980), “Chame gente” (1985). Em 1977, passou a atuar também no grupo A Cor do Som, descendente dos Novos Baianos, com quem registrou “Ao vivo em Montreux” (1978), “Frutificar” (1979), “Transe total" (1980), “Mudança de estação” (1981), "Ao vivo no Circo” (1996), “Acústico” (2005). E ainda desenvolveu uma trajetória solo, em “Retocando o choro” (2003), "Guitarra baiana” (2014) e abrasivos encontros com o conjunto Época de Ouro (1993), o violonista Raphael Rabello (1997) e o sax/clarinetista Paulo Moura (“Afrobossanova”, 2009). 

O show/disco “Baden Powell tribute” abre a mil, numa versão turbinada do afro samba fulcral “Canto de Osanha”, sob uma elaborada introdução de acordes graves e solenes, que desata no groove hard bossa, uma marca registrada da família Powell. Armandinho, igualmente vigoroso, contribui para a tempestade sonora da faixa. “Deve ser amor” é um surpreendente samba com breque do caribenho cha cha cha, um ritmo em voga nos anos 60, quando a música foi lançada, que permite a dupla intenso diálogo nos breques e retomadas. O dolente “Deixa” ganha pique veloz e ainda mais suingado. O camerístico “Samba em prelúdio” edificado em contraponto é sob medida para o entrelaçar de cordas e acordes. Composto pela dupla Marcel-Armandinho em homenagem ao mestre, o samba choro “Um abraço pro Baden” destila delicadeza a bordo de um mote repetido que cria uma teia de envolvimento com o ouvinte. 

Um dos afro sambas que antecederam a consagrada leva composta por Baden e Vinicius, “Consolação” já inicia pelo refrão subentendido (“melhor era tudo se acabar”) e desencadeia improvisos arrojados de parte a parte. Já o “Samba da benção” tem um trecho cantado, mas sem as louvações. Armadinho afaga o parceiro na abertura (”Dizem que você foi a melhor coisa que ele fez”). Única da parceria Baden-Paulo Cesar Pinheiro incluída no roteiro, “Vou deitar e rolar”, sucesso da cantora Elis Regina, em 1970, é outro desafio de velocidades e competências de cada solista. Marcel emula o “Berimbau” do título como fazia seu pai na gravação original, mas afrouxando as cordas dentro da sonoridade do jogo de capoeira. Alicerçada num mote de arranjo peculiar que a remodela, “Pra que chorar” arremata com um inefável batuque da dupla nos tampos dos respectivos instrumentos. Como se diria no esporte é o chamado olé, após um show de bola de tabelinhas vertiginosas. 


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