Coisas Nossas

Marcio Proença, um retrato cantado

quarta, 14 de novembro de 2018

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Como presidente do IMMuB sempre achei que seria cabotino ter uma coluna mensal no site. Finalmente fui convencido pelas pessoas que trabalham aqui no Instituto que eu poderia escrever uma coluna com base na minha antiga trajetória profissional de produtor musical e não na qualidade de presidente. Só topei fazer se fosse minha opinião pessoal e não institucional. 

O nome COISAS NOSSAS, dado a coluna, foi inspirado no nome de uma música do Noel Rosa.

João Carino


Lá vinha ele, vestido de mágico, com seu estilo inconfundível: calça branca, corrente de metal saindo do bolso, blusa aberta colorida, camiseta por baixo, vários cordões com medalhas de santos em torno do pescoço, tênis amarelo, muitos anéis e os dois braços cobertos de tatuagens. Em nenhuma estação do ano, nem nos dias de calor senegalês, ele mudava a indumentária. Estava sempre com frio ou quase com frio. Talvez para compensar um coração transbordante de paixão, bom e doce. Voz grave, visceral, sibilada, voz de whisky, como dizem, cheia de manha, de malícia. Marcio Proença transitava tranquilamente entre o malandro e o revolucionário. Capaz de fazer uma apologia libertária ou se insurgir contra uma bobagem qualquer. Foi um compositor de vanguarda, arrojado, sem compromisso com o moderno. Sagrado e profano.

Bebia bem, muito bem, toma todas, mas afirmava que gostava mesmo era de leite gelado. “Bebo para me embebedar”, afirmava. Adorava mulher, mas preferia uma massagem nos pés. Só quem conviveu mais de perto com a lendária figura é que consegue entender um pouco melhor esta opção.

Fez parte do MAU, Movimento Artístico Universitário, ao lado de Gonzaguinha, Ivan Lins, Taiguara, entre tantos.  Formou o Quarteto Forma nos anos 60, participou de festivais, cantou, por anos, no coro da orquestra de Roberto Carlos. Apesar do enorme talento como cantor, a timidez sempre foi seu ponto forte. Nunca quis o estrelato, fugia dele. Sempre se recusou a sair da sua tão amada cidade de Niterói.  

Parceiro de grandes compositores da música brasileira, entre eles: Paulo César Pinheiro, Aldir Blanc, Paulinho Tapajós, Paulo Emílio, Marco Aurélio, Ivor Lancellotti, Cartier, Nei Lopes, Marcus Lima, e vai por aí.

Cantado por estrelas como Nana Caymmi, Beth Carvalho, Simone, Emílio Santiago, Leny Andrade, Danilo Caymmi, Leila Pinheiro, Agostinho dos Santos, Marília Medalha, Áurea Martins, Dóris Monteiro, Cauby Peixoto, MPB4, Alcione, só para citar alguns. 

Marcio Proença faria na data de hoje, 14 de novembro de 2018, exatos 75 anos. Fez parte da geração de grandes artistas como Chico Buarque, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Edu Lobo entre outros. Poderia estar vivo e ser tão conhecido como seus famosos colegas. No entanto, preferiu ser funcionário público. Ele contava que – certa vez – foi procurado pela cantora Elis Regina (que adorava revelar novos e talentosos compositores). Inventou uma desculpa para não ir ao encontro dela no Rio de Janeiro. Mentiu a idade, se declarou menor de 18 anos e que por isso sua mãe não autorizaria essa aventura. Inconformada, Elis se despencou pra Niterói e foi conversar com dona Lucy (que era poetiza e pianista). Proença ficou encurralado pela Pimentinha. Não teve outra alternativa: pediu a mãe para não autorizar. Essas histórias ele adorava contar depois do quinto copo de cerveja. 

Mas o melhor do Proença era vê-lo compondo. Fazia música com uma velocidade estonteante. Tinha sempre uma ideia musical na manga. Era o rei da segunda parte: o parceiro apresentava a primeira parte (a “entradeira”, como ele chamava) e – imediatamente – compunha a segunda parte. Sempre buscava um caminho melódico inusitado, improvável. Nunca caminhava pro óbvio. Nestas horas, quando o via compondo, tinha a impressão de que ele já sabia o que iria ouvir e trazia consigo o resto da canção pronta. Impressionante.

Faço parte de um seleto grupo de amigos que conviveu intensamente com esse gênio da canção brasileira. Toda vez que nos reunimos ele está entre nós com suas histórias e suas lindas canções.

Viva Marcio Proença!



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