Música

"Meu Mundo é Hoje": efemeridade e autorreflexão nos 80 anos de Paulinho da Viola

por Caio Andrade

sábado, 12 de novembro de 2022

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Salve o Paulinho da Viola
Salve a turma de sua escola
Salve o samba em tempo de inspiração
O samba bem merecia
Ter ministério algum dia
Então seria ministro Paulo César Batista Faria
(Batatinha)


Paulinho da Viola chega a 80 anos esbanjando vitalidade e com uma obra refinada de incontáveis sucessos. Nascido em 12 de novembro de 1942, é até difícil pensar em como analisar a obra de um artista tão autêntico que soube manter a tradição do samba mesmo vindo de uma geração diferente.


Um ponto que chama minha atenção há um bom tempo na obra de Paulinho é a questão da temporalidade em diversas canções dele, com a melhor abordagem desse recorte no álbum Paulinho da Viola (1975). Nesse disco, ele pede a Milton Miranda, diretor artístico da Odeon à época, para falar basicamente de 3 tópicos: natureza, cotidiano e amor. Ele escreve no encarte:

Milton, a ideia é essa aí.
O disco fala de coisas da natureza, da vida das pessoas simples e das transas do amor: (infinitas formas de amar e viver…). Eu gostaria que ele começasse e acabasse com as músicas indicadas.
Não sei, vê se dá. Depois eu te telefono. Um abraço do irmão

                                                                                                                                    Paulinho


E (felizmente) foi feita sua vontade. O álbum, que traz clássicos como “Argumento” e “Pecado Capital” (essa apenas em algumas versões), também possui destacadas canções como “E a Vida Continua”, “Vida”, “Amor à Natureza” e “Chuva”, e é um dos pontos altos da discografia do artista.


Entretanto, não era a primeira vez que ele trazia essa abordagem em sua obra. Em músicas como “14 Anos” (1966), “Sinal Fechado” (1969), “Dança da Solidão” (1972) e “Meu Mundo é Hoje” (1972), já figurava o Paulinho reflexivo que tratava das coisas da vida, às vezes vezes de uma maneira mais introspectiva, às vezes em forma de crônica. Por exemplo, a noção temporal é trabalhada de maneira diferente em "14 Anos" e "Sinal Fechado": enquanto a primeira começa narrando um evento do passado e indicando para o ouvinte em que época a história se passa, com "Tinha eu 14 anos de idade...", a outra começa mostrando a fugacidade de um diálogo (em tempos de ditadura) de poucos minutos com "Olá, como vai?/Eu vou indo, e você, tudo bem?". Genial.

Se em 1975 ele buscou falar mais do presente e do futuro, no álbum seguinte, em Memórias Cantando, como o próprio nome sugere, ele buscaria mais o passado e a nostalgia. O repertório do álbum inclui canções da infância do artista como “Nova Ilusão”, “Mente ao Meu Coração" e “Pra Que Mentir”, e foi lançado simultaneamente a Memórias Chorando, com a mesma premissa, porém apenas com choros no repertório.


Cada vez mais amadurecido, o "existencialismo" de sua obra jamais se perdeu: “Cantando” (1976), “Retiro” (1983), “Timoneiro” (1996) e “Alento” (1996) são outras canções que também compõem uma safra desse eu-lírico que abre seu coração em letras que falam não necessariamente de amor, mas de todos os sentimentos que carrega dentro de si enquanto enxerga o mundo e o tempo a sua volta, até mesmo nas composições de outros autores.


Dono de uma obra atemporal e um lirismo ímpar, reforçado em vários momentos pelas belíssimas artes de Elifas Andreato - basta ver a capa de Nervos de Aço (1973) e os encartes de álbuns como o Memórias Cantando (1976) -, não é difícil entender o motivo no qual as gravações de Paulinho são certas em uma roda de samba de respeito e figuram no repertório popular até hoje. É só puxar "Se um dia..." ou "Domingo, lá na casa do Vavá..." que uma multidão vai te acompanhar.


O lugar conquistado por ele na história da música brasileira já foi reivindicado por Batatinha há quase 50 anos na letra de "Ministro do Samba". Justo título, não é? Só nos resta agradecer e desfrutar de tanta música boa.

Parabéns, Paulinho. Seu mundo é hoje, amanhã e sempre!



Caio Andrade é graduando de História da Arte na Escola de Belas Artes (EBA/UFRJ) e Assistente de Pesquisa e Comunicação no Instituto Memória Musical Brasileira (IMMuB) desde 2020. Grande apaixonado por samba, pesquisa sobre o gênero há mais de uma década, além de tocar em rodas e serestas no Rio de Janeiro.

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