Um papo com o Cazes

Musicais: a música brasileira no retrovisor

sexta, 07 de setembro de 2018

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Em 2003, depois de passar o ano anterior praticamente dedicado a produção de discos, sai em campo para lançar os trabalhos que havia concluído. Procurei caminhos e espaços ligados ao poder público municipal e diante da seca de verba que se configurava, questionei o então secretário de cultura a respeito. Ele disse que música tinha sido a área mais bem aquinhoada e deu como exemplo uma verba maiúscula, destinada a um musical escrito e dirigido pelo Miguel Falabella. Respondi, tornando o assunto público pelo jornal, que musical não era música, assim como ópera, balé e cinema, embora em todos esses formatos a música esteja presente. Disse ainda que era muito triste ter que explicar isso a quem já deveria saber. 

De lá para cá, uma das poucas áreas que se desenvolveram na arte produzida no Rio foi a dos musicais e especialmente tratando do passado de nossa música popular. Muitos formatos foram experimentados e podemos apurar que, sem sombra de dúvida, os que utilizavam repertório conhecido do passado tiveram mais sucesso. Foi o caso do "Sassaricando", musical que exibia um panorama da marchinha de Carnaval praticamente sem dramaturgia, em um roteiro leve e fluente que agradou em cheio. Em outros casos a dramaturgia foi abordada por caminhos estéticos que iam da chanchada até a vanguarda, com resultados muito irregulares. As narrativas foram do convencional cronológico ao fragmentado e as opções de "clonar" um ídolo ou fragmentá-lo em vários atores também foram utilizadas. 

Em todos esses musicais que recriaram repertório do século XX, um ponto é comum, o distanciamento em relação ao passado. E não importa se o passado é a década de 1930 ou a de 1990. Isso me dá um certo nervoso.

Não que eu seja contra musical, muito pelo contrário. Num momento de desprofissionalização do mercado de trabalho em música, do desmonte da indústria fonográfica, os musicais são uma oportunidade de trabalho e isso é importante. Nos dez anos em que estive tocando nas temporadas do "Sassaricando" criei o apelido "bolsa marchinha", para descrever aquele trabalho que pagava as contas no verão.

A aflição que sinto vem do fato de que tenho trilhado na direção contrária ao distanciamento do passado. Minha ideia é tratar o passado como matéria viva, interagindo com ele. Um exemplo concreto com o qual gostaria de exemplificar essa interação com o passado é o CD "Carmen Miranda Hoje", produzido pelo Ruy Castro e em que eu faço um remix acústico das gravações de Carmen nos anos 1930. Foi uma experiência riquíssima na qual eu e os demais músicos (Luís Filipe de Lima, Beto Cazes, Dirceu Leite) aprendemos muito. O resultado foi empolgante, mais do que podíamos esperar. Ouçam só esse exemplo: "Gente bamba", samba de Synval Silva que Carmen gravou com o conjunto de Benedito Lacerda. Gravamos as frequências graves (surdo, violão de 7 cordas) e agudas (percussão) que o equipamento da época não era capaz de captar. Escrevi um sax tenor como se fosse o Pixinguinha tocando, fazendo contraponto para a flauta de Benedito. Coloquei ainda um violão tenor e o resultado foi que a voz de Carmen parece soar melhor e seu balanço fica mais claro. Através da tecnologia e da intimidade dos músicos envolvidos com o material remixado, trouxemos a Carmen para os dias de hoje. Essa é a ideia. Ouçam e me digam se estou sonhando.




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