Resenha de Samba

Ney da Mangueira completa 65 anos na Ala dos Compositores

quinta, 20 de julho de 2023

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Ney é autor de sambas de terreiro que incendiaram Escola nos anos 50 e 60 e também de Sambas-Enredo 

Dos sambistas dos dias atuais, é possível afirmar que nenhum conhece mais os sambas de terreiro da Escola Estação Primeira do que Ney da Mangueira. Nascido no Morro, Ney ingressou na Ala dos Compositores da Mangueira em 1958 com apenas 16 anos, apadrinhado por ninguém menos que Padeirinho. Era um tempo mágico e Ney debutou no mundo do Samba lado a lado com cobras como Cartola, Zagaia, Marreta e Geraldo das Neves, afiliando-se a uma verdadeira irmandade de bambas. Com o seu irmão mais velho Aylton, compôs sambas que fizeram o couro da bateria suar e o lençol de vozes das pastoras reluzir nos áureos anos 50 e 60. Outrora o mais novo membro dessa irmandade, hoje Ney completa 65 anos na Ala e é o decano dos Compositores da Estação Primeira. Conheçam melhor esse bamba, numa resenha de samba com Ney do Terreiro da Mangueira.

“Entrei na Ala dos Compositores em 58, mas hoje só tenho a carteirinha de 60” / Acervo Ney da Mangueira

Ney, me diga seu nome completo e a relação da sua família com o Samba.

Meu nome é Ney João de Oliveira, meu pai chamava-se Virgílio João de Oliveira, minha mãe Maria Júlia dos Santos. Eu nasci no Morro da Mangueira, na rua Visconde de Niterói, em 5 do 9 de 1941. Do samba era meu tio, só. Meu tio chamava-se Floripes dos Santos, ele tinha o apelido de China, era chamado de China, o Rei do Surdo, foi um dos fundadores da Mangueira. Ele era o surdo de primeira, ele fazia ali um malabarismo com a baqueta. Inclusive ele foi entrevistado pela revista O Cruzeiro na época, uma página toda. 

China, O Rei do Surdo: fundador da Mangueira e tio de Ney / Foto: José Medeiros

Quando o sr. começou no Samba, mais ou menos que idade o sr. tinha, como é que foi?

Meu primeiro samba, eu fiz com 16 anos. O negócio é o seguinte: aos 15 anos já saía na Escola, eu saía na Ala dos Nobres e a Mangueira na época ensaiava na Candelária, é um lugar aqui da Mangueira que tem esse nome, justamente onde eu nasci e me criei. 

Ney ingressou na Ala dos Nobres em 1957 / Acervo Ney da Mangueira

Um dia eu tava na quadra, antes de começar o ensaio, aí o Beleléu, Manoel Pereira era o nome dele, chamou: “Ney, chega aí”, tal. Aí cheguei, ele disse: “Ô Ney, canta uns sambas aí”. Tava Padeirinho, Cartola, Zagaia, Marreta, Geraldo das Neves, uma série de bambas. Aí tamo cantando uns sambas lá, cantei um, dois, cantei uns 3 sambas lá. Aí, foi até o Padeirinho que falou “Ney, o negócio é o seguinte: não qué entrá pra Ala? A gente tá precisando de uns garotos aí na Ala, e tal. “É, tá ok”. Moral da história: entrei pra Ala dos Compositores. Eu já tinha 16 anos nessa época. Isso era em 1958, o Presidente da Ala era o Mano, eu perdi a carteirinha daquele ano. Aí em 1960 o Presidente já foi o Brogogério, ele mudou as carteirinhas, botou o nome dele e hoje só tenho a de 1960, mas como compositor eu entrei em 1958 mesmo, eu tinha 16 anos.

E me diga uma coisa, quando Beleléu te chamou no meio desses bambas, quais sambas o sr. cantou? Era samba de terreiro na época, né.

O primeiro samba que eu cantei na Mangueira, o samba era meu e do saudoso Aylton. Aylton era meu irmão e antigamente, se você gravasse o samba mesmo sendo do LP da Escola, não podia cantar mais na quadra, era diferente. Esse samba chama-se “Retorno da Felicidade”.

Prospecto do samba que garantiu o ingresso de Ney na Ala dos Compositores da Mangueira em 1958 / Acervo Produto do Morro

Como funcionava a sua parceria com o seu irmão Aylton?

Aylton era meu parceiro de samba, inclusive ganhamos uns 2 sambas juntos, enredos. E muitos sambas de terreiro nós fazíamos, nós cantávamos, eu e ele. Nós éramos conhecidos como a dupla “Mano a Mano”. O Aylton era bem mais velho do que eu, eu era o mais novo da família. O nome dele era Aylton João de Oliveira, era de 5 de agosto, o ano não me lembro, ele cantava muito bem, mas ele era um pouco tímido. Apesar de ele ser mais velho, fui eu que levei ele pra Ala dos Compositores. Às vezes eu chegava com uma primeira, ele fazia a segunda, às vezes ele chegava com a primeira, eu fazia a segunda e assim, entendeu? Porque sempre minhas músicas, qualquer tipo de música, eu faço tudo junto, a letra e música. Às vezes também ele fazia um samba dele, eu fazia um samba meu, às vezes cada um fazia um samba. 

Qual outro samba seu e do Aylton pegou no terreiro da Mangueira?

O samba que estourou na quadra no Cerâmica ainda é “Sou Bem Feliz”:

Sou bem feliz / Tenho alguém sempre ao meu lado / Sou bem feliz / Já vivi triste, abandonado / Por um amor / Senti tanta dor / Não sei o mal que fiz / Já tenho outra / Porém, agora / É que sou bem feliz / II / Sofri bastante no tormento de paixão / A felicidade dominou / Todo meu coração / Tenho um grande amor / Pois o destino assim quis / Por isso é que sou bem feliz”.

Como é que funcionava quando o sr. apresentava um samba novo na quadra pra todo mundo sair cantando? 

Por exemplo: nós mandávamos fazer prospectos. Quer dizer, o primeiro ensaio, o segundo quem ia, distribuía aqueles prospectos todos, no terceiro as pastoras já sabiam o samba. Aí você começava a cantar, quando acabava a segunda parte e entrava na primeira do samba, a bateria já entrava junto e todo mundo cantava! pô, era gostoso, era muito bom. Tinham ocasiões que a gente, eu mesmo várias vezes eu via na rua as pessoas cantando tua música, as pessoas assobiando. E não eram sambas gravados, eles aprendiam na Escola e saíam. Porque a Mangueira antigamente era muitos sambas de terreiro. Antigamente não era samba de quadra, era samba de terreiro, vou te explicar por que: na época, muitas Escolas de Samba era chão mesmo, não tinha nem cimento, não era nem cimentado, era chão mesmo. Então era samba de terreiro, depois que veio samba de quadra, que as Escolas já ficaram com uma condição melhor, já fizeram umas quadras bonitas, aí já virou samba de quadra.

Pastoras de Mangueira aprendendo o samba no prospecto em ensaio dos anos 1950 / Foto: José Medeiros

O sr. se emocionava vendo todo mundo cantando o seu samba no terreiro?

Sempre dava aquela emoção, você vinha cantando, as pessoas cantando a tua obra, muitas pessoas cantando. Você às vezes parava de cantar “vai!”, eles aí cantavam, a quadra toda cantando, você vendo, a segunda “deixa comigo!”, aí você entrava na segunda parte, cantando junto com eles, era muito bom! E entre nós compositores era uma disputa! Cada um queria vir melhor do que o outro, entendeu? Na Mangueira era assim.

Quando o sr. ingressou na Ala dos Compositores em 1958, quem fazia os sambas mais bonitos?

Ah, tinha muita gente! Se eu enumerar aqui vou esquecer de alguns, mas tinha muita gente boa mesmo: Padeirinho, Zagaia que tinha um tremendo vozeirão, ele cantava à capela e tu ouvia na quadra toda; Geraldo das Neves; Darcy; Jurandir, Batista, pô! mas eu graças a Deus sempre me destaquei no meio também, modéstia à parte, não era muito bobo não, sabe como é que é? Tinha muitos amigos de outras Escolas de Samba que todo ensaio da Mangueira tava lá pra ouvir os nossos sambas, sambas de terreiro da Mangueira. Diziam mesmo: “vô lá na Mangueira vê os sambas de terreiro de lá”, pessoal do Salgueiro, da Portela, do Império, essas Escolas de Samba todas. Inclusive muitos até já morreram. Na Escola mesmo você vai encontrar quem da Ala? Morreu todo mundo, acho que sou o único. Não sei por que acabaram com o samba de terreiro, de quadra, acabou a graça, pode dizer que acabou a graça mesmo!

Quais os sambas de terreiro dessa época da Mangueira que também pegaram?

Tem muitos sambas bons, não dá pra dizer todos, não. Tem samba do Batista, “[Tem] Capoeira”, “Agora sou Feliz”, [Mestre] Gato, “Exaltação à Mangueira” [Enéas Brites] que também é samba de terreiro, tem muitos sambas. Zagaia cantou muitos sambas de quadra bons, Padeirinho, tem muitos.

E compositores de outras Escolas daquela época?

Da Portela Walter Rosa, Monarco; Salgueiro Zuzuca, César Veneno; Império o Aluísio Machado que ainda tá vivo.

O Padeirinho então foi o seu padrinho na Ala dos Compositores. Como era a sua relação com ele no dia a dia?

Padeiro era meu amigo, nós nos chamávamos de cumpadre, porque antigamente, os compositores eram a maioria cumpadre um do outro. Não é que batizou o filho de ninguém, não, mas todo mundo era cumpadre. Mas eu tive uma convivência boa com todos eles. Nós éramos uma irmandade, um ia fazer uma festa, qualquer coisa, todos iam, sabe como é que é? Tem aquelas brincadeiras, aquela feijoada, aquelas coisas, um churrasco. Nós éramos uma irmandade mesmo. Eu convivi com esse pessoal todo, é que eu era bem mais novo, aquela rapaziada já tinha uma idade bem acima da minha.

Padeirinho, o Padrinho de Ney da Mangueira na Ala dos Compositores / Foto: Walter Firmo

Nessa época o Cartola ainda botava samba no terreiro? 

Botava, entrei pra Ala dos Compositores em 58. O Cartola botou muito samba, inclusive Samba-Enredo, é que às vezes ele perdia, né? Mas ele era muito bom, sem dúvida, ele era excepcional.

Quando o sr. começou, quem eram os bambas do ritmo, do tamborim, cuíca, surdo, as Pastoras?

Waldemiro era o nosso Diretor de Bateria, dos bons, dos melhores que existia, na época. Na época tinha muita gente boa, no surdo tinha Mário Rato, Roxinho; tarol tinha Seu Tinguinha, Fidelix; tamborim tinha Cocada, o Juca, muita gente. E todos eles já se foram, já tão lá em cima, fazendo samba lá. Naquela época a bateria saía com duzentos e poucos componentes, cento e poucos, hoje é muito mais gente. Ah tinha muitas pastoras, aquilo era centenas de Pastoras, era Maria Helena, Caçula, era muita mulher! A quadra ficava cheia, porque naquela época era só as Pastoras que ficavam na quadra, Mestre-Sala, Diretor de Harmonia, entendeu? Não é como hoje, hoje tá diferente. Às vezes as Escolas, vai todo mundo pro meio da quadra, já não tem mais aquelas Pastoras ensaiando na quadra. Antigamente o ensaio era tudo na quadra, agora sai na rua, sabe? É diferente.

O Diretor de Bateria Mestre Waldemiro e Tinguinha, fundador da Ala da Bateria / Acervo família de Tinguinha (Homero José dos Santos)

O que o sr. sente mais falta dessa época aí?

É que hoje não é como antigamente, antigamente a pessoa era sei lá, era mais… A Escola se eu fosse Mangueira, era Mangueira; seu eu fosse Portela, era Portela; se fosse Salgueiro, era Salgueiro, hoje não! hoje são muitos aventureiros, sabe como é que é? Tá totalmente diferente. Você vê Samba-Enredo o que acontece? Vence mais de 10 num Samba-Enredo, Samba-Enredo quem faz é um ou é dois, o resto é, gastam pra caramba, quer dizer, tá muito difícil.

O que o sr. pensa a respeito de compositores que não pertencem a comunidade, a Mangueira, não participam do dia a dia da comunidade, do Morro, mas aparecem na época da disputa do Samba-Enredo e vencem? 

Esses são os aventureiros que eu tô falando, entendeu? São os caras que, pô, são aventureiros mesmo! Gastam fortunas no Samba-Enredo, porque descobriram que Samba-Enredo dá dinheiro, agora eles tão nessa. Tem… poxa, já teve parceria aqui com 12 elementos, quer dizer? Todo errado! eu nem conheço esses garotos, não, não disputo Samba-Enredo desde 1991.

Ney da Mangueira é Verde e Rosa de nascimento, corpo e alma - Acervo Ney da Mangueira

Me conta então sobre as suas primeiras disputas de Samba-Enredo e como foi a primeira vez que o sr. venceu, em 70.

Olha, não me lembro de todos, não, mas antes de eu vencer em 70 eu fiz 2 sambas, aliás, 3, o 3º foi o “[História de um] Preto Velho” [64], perdi pro Pelado, Hélio Turco, Comprido. Naquela época não tinha negócio de gravar nem nada, não. Tu fazia, ia pra quadra e cantava. E na realidade, os compositores de Escola de Samba, na Mangueira por exemplo, quase todas as Escolas eram assim, nós éramos amadores, nosso objetivo era a Escola, gostava muito da Escola, aquele amor pela Escola. Que antigamente era o seguinte: se você perdesse, tu abraçava quem venceu, aquela… você entende? Aquilo era o hino da Escola. Hoje não!

Em 64, depois da disputa de “Preto Velho”, encontrei-me com Comprido, Pelado e Hélio Turco, 3 malandros, tudo bem. Eu cheguei num bar lá na Visconde de Niterói, o Comprido tava, ele falou: “Oh Ney, pô!... tá vendo que tu é muito novo pra ganhá Samba aí na Mangueira?”, tal. Eu digo: “É, tu vai vê se eu não vô te pegá!”. Moral da história: 6 anos depois [em 70] ganhei e fiquei feliz, né? Mó barato! que coisa, as coisas acontecem, pô, fiquei a maior felicidade.

Samba-Enredo o carnavalesco nos dava uma folha de papel de pão, ele dizia: quero que fala nisso, naquilo, naquilo outro, era isso, o resto era contigo. Nós éramos compositores mesmo, nós criávamos. Outro dia eu peguei uma sinopse, é um livro com uma série de coisas, uma porção de opções de rimas, tá tudo errado!

Antigamente o trem vinha na Central do Brasil, parava na Mangueira, que nessa época não existia a estação de São Cristóvão na estação de Lauro Muller, que era Praça da Bandeira. É por isso que vem o nome Estação Primeira de Mangueira. Na ponte da Mangueira, da estação, eles tinham um barzinho pequeno, nós chamávamos de Varejo. E lá paravam todos os compositores da Escola, era um ponto que todos nós parávamos por ali. Então ali nós cantávamos um samba novo, o outro cantava, se não tivesse um violão, nós fazíamos uma batucada no balcão. Porque ali que nós bebíamos, tomávamos nossa cerveja, com dinheiro ou sem dinheiro. Aí, nesse dia, antes da final do Samba-Enredo [de 70] lá estava a Ceinha, ela era irmã do Ivan Mico [Ivan Meirelles], era compositor também. Ela passou, a gente conversando e tal, ela: “pô, Ney, vô te sacaneá, tu não vai ganhá, não”. Disse, “pô, vão sacaneá a Mangueira, mas se eu perdê esse ano eu vô pegá eles, não adianta, vão vê se eu não vô pegá”. Foi quando eu ganhei o Samba-Enredo, o “Cântico à Natureza” [70]. Inclusive, na gravação oficial, quem cantou o samba foi o Aylton, meu irmão. Esse samba na Copa de 70 foi muito cantado lá no México. Jairzinho, aqueles caras todos cantavam esse samba, o refrão final então era bem cantado lá, até hoje tenho amizade com Jairzinho.

Ney da Mangueira é hoje o Decano da Ala dos Compositores da Verde e Rosa - Acervo Ney da Mangueira

Depois disso o sr. ficou fora da disputa de Samba-Enredo um bom tempo, conta pra gente por quê.

Esse ano o desfile foi na Candelária. Aí domingo de Carnaval, que o desfile era domingo de Carnaval, na época eram só 10 Escolas, descia uma, subia uma. Mas não sei por que, houve um problema qualquer no domingo de Carnaval que as Escolas tiveram que voltar todas na terça-feira, terça-feira de Carnaval. Aí a hora que a Mangueira entrou pra desfilar, houve um problema, a hora que o samba entrou, a Nair, Nair Pequena, era uma Baiana da Mangueira na época. Ela inclusive, antes do Carnaval falou: “ô Ney, é o seguinte, eu quero fazer essa feijoada da vitória, tá legal?”, eu digo: “legal, ô Nair, tudo bem”. Sabe o que aconteceu? Quando o samba entrou, aquela emoção, ela sentiu-se mal. Eu não sabia, aí veio a Zica, primeiro, falou: “ô Ney, a Nair foi faleceu”. Aí vi a Neuma também: “ô Ney, como é que nós vamô fazê?”. Eu digo: “pô, para o samba!”. Que nós podíamos fazer? Aí parou o samba, aí foi só naquele surdo, sabe? “Bum, bum, bum, bum” e a Mangueira passando, foi o que aconteceu esse ano. 

Fundadora da Mangueira, Nair Pequena faleceu em pleno desfile no ano de 1970 

Mesmo assim a Mangueira ficou em 3º lugar. Que coisa esse dia foi, pô, uma coisa incrível… a Escola parou e fomos andando, passamos o desfile andando, do meio pra lá da Escola. E nós tínhamos tudo pra ganhar aquele Carnaval! Isso foi na terça-feira de Carnaval, mas naquela época não tinha desfile das campeãs, o resultado só saía na quinta-feira após o Carnaval, ainda não tinha saído o resultado. Nair morreu na terça-feira, com a Mangueira desfilando. Isso me abalou muito, e essa senhora era muito amiga nossa, dos compositores, sabe? A Dona Nair, Nair Pequena. Eu fiquei… parei um bocado de tempo por causa disso, entende? vou dá um tempo no samba e tal, sem fazê Samba-Enredo”. De fato, eu fiquei alguns anos sem disputar Samba-Enredo, que aquilo, eu fiquei traumatizado com o que aconteceu. Ela se emocionou, que a Escola entrou muito bem na terça-feira de Carnaval. E não sei se ela já tinha algum problema de coração, porque aparentemente ela não tinha problema nenhum, era uma escura forte, não sei o que aconteceu, mas parte foi emoção. Vim voltar a disputar Samba-Enredo em 78, aí venci em 80 e venci também em 89.


O sr. prefere fazer Samba-Enredo ou Samba de Terreiro?

Eu muitas vezes tava com um bom samba de terreiro, eu gostava muito de samba de terreiro, como a maioria dos compositores. Tava bem, aí não fazia Samba-Enredo, meu negócio era samba de terreiro, é vê a quadra cantando a tua música, muitas pessoas, as pessoas cantando pela um, samba que nunca foi gravado. Antigamente primeiro era o samba de terreiro, nós [compositores] disputávamos, embora não tinha negócio de classificação nem nada, mas sentia na quadra, entende? Os melhores, aí depois é que vinha o Samba-enredo, mas a maioria [dos compositores da Escola] não disputava Samba-Enredo. Os ensaios das Escolas agora já começa com Samba-Enredo, acabou a graça, aquilo era muito bom. 

É muita grana agora, Samba-Enredo dá dinheiro, samba de terreiro não dava. Tem samba de terreiro que depois ele fica [só] no terreiro da Escola. Escola de Samba tem um problema: tem muitos mercenários, pessoas que vêm com uma finalidade. E a gente que é Mangueira mesmo, o nosso objetivo é a Escola. Eu mesmo nunca pensei em ganhar fama, de procurar fama, eu como a maioria da rapaziada, nosso objetivo é a Escola.

Como é aquele samba que o sr. descreve em detalhes toda a geografia e as paisagens do Morro da Mangueira?

É “Domingo em Mangueira”, eu rodei o morro todo, subi pelo Buraco saí lá na Candelária, do outro lado:

Passei um domingo diferente / Tive no Buraco Quente / É gente pra lá e pra cá / Vi uma malandragem consciente / Um sambista sorridente / Batucando sem parar / De lá meti o pé fui ao Chalé / Dando uma de migué / Só pra ver como é que é / Foi lá que eu vi aquela criatura / Que beleza, que ternura / Moradora no Pendura / Passei pelo Cruzeiro / E como regra / Me benzi, subi a Pedra / Vi o Cristo Redentor / Maracanã, Corcovado, Pão de Açúcar / A Floresta da Tijuca / Êta Rio sedutor / De lá escorreguei / Fui pra outra área / Desci lá pra Candelária / Que beleza, que primor / Tomei uma no bar Ponto Certo / Rolava um pagode esperto / Com cabrochas de valor / Sambei com a Georgete / Com Arlete / Renilda, Simone e Odete / Até levantar poeira / Quando eu vi / Já era segunda-feira / Eu tomei a saideira / E me despedi de Mangueira.

Buraco Quente no Morro da Mangueira / Centro de Memória da Mangueira


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