Resenha do Pietro

No Coco de Caetano com Lucas Nunes

domingo, 31 de outubro de 2021

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Eterno tropicalista, Caetano Veloso evoca os orixás da música brasileira e, como um suspiro de esperança, vislumbra um Brasil feliz em "Meu Coco", o seu novo trabalho. O produtor do álbum, Lucas Nunes, conversou comigo sobre os bastidores, referências e histórias desse disco impecável. 

Gravado no primeiro semestre de 2021, "Meu Coco" foi surgindo organicamente. Caetano e Lucas foram criando, gravando e convocando pessoas até que se deram conta que estavam montando um álbum. 

Originalmente, o Caetano queria começar essa nova jornada a partir da interpretação do Balé Folclórico da Bahia sobre a faixa homônima ao disco. No entanto, veio a pandemia e essa tarefa ficou pros dois. O Lucas passou quatro meses morando na casa do Caetano, onde ele montou um pequeno estúdio, e, aos poucos, foram desenvolvendo o projeto.

Como o nome sugere, o álbum reúne o que Caetano vem pensando nos últimos anos: desde a chegada do novo neto até o cenário triste que o país enfrenta. Sempre em busca da novidade, ele explora novas sonoridades, cita artistas da dessa geração, mas também faz questão de saudar pilares da nossa música, de Pixinguinha a Jorge Ben, como ele mesmo diz na faixa "GilGal", um mantra lindíssimo em batida de candomblé.

Esse olhar otimista pro futuro a partir das referências do passado é um dos principais temas de "Meu Coco" e está estampado na capa linda do álbum - o que é normal pro Caetano. 

Mas, assim, tem muito mais coisa: Bahia, samba, pardos, cores, nomes e até algoritmos. Pois é, isso porque o único single anterior ao lançamento do disco é "Anjos Tronchos", em que Caetano deixa suas impressões e reflexões sobre a loucura que o mundo cibernético se tornou. 

Bom, como eu falei, o álbum todo se desenvolve a partir da primeira faixa, "Meu Coco", aquela que exprime melhor o conceito da obra e que o Lucas explica:

"Tudo começou com "Meu Coco". Com ele já sabendo tudo o que ele queria do início ao fim. Ela sempre foi a linha principal, o fio condutor, ou melhor, como ele costumava dizer, a nave mãe do disco. Ela está permeando todas as outras ali. Então foi muito bom quando eu ouvi isso pela primeira vez porque entendi que a gente teria referência para o disco todo. Várias vezes durante o processo eu ouvia "Meu Coco" para lembrar do lugar que a gente queria chegar - e chegou." 

Antes de continuar com o álbum, eu fiz questão de entender com o Lucas como ele, como produtor, transformava tudo aquilo que o Caetano sentia e compunha para uma música pronta. 

Como que ele sabe que ia inserir um elemento? Seja a orquestra, um instrumento, o olodum, etc. Segundo o Lucas, as composições do Caetano já sugerem um caminho, mas ele destrincha esse processo:

"Essa pergunta é interessante porque esse é o nosso maior desafio como produto: traduzir de uma forma totalmente livre o que tem que ser traduzido e transmitir para as pessoas. No entanto, tem algumas partes como a parte do Olodum, por exemplo, que era muito óbvio pra mim e pro Caetano. Ele já sabia que era necessário chamar o Márcio Vitor. 

Por outro lado, "Enzo Gabriel", na bateria e a forma que foi conduzida não tem só a cara de um produtor. Eu posso dar uma ideia principal, mas o músico que está tocando pode interpretar de uma forma totalmente diferente. E isso, na maioria das vezes, sobretudo quando a gente chama os músicos certos, é positivo pro trabalho."

Uma das maiores repercussões de "Meu Coco" foram as inúmeras citações do Caetano a outros artistas e especialmente aos cantores da novíssima geração. Em "Sem Samba Não Dá", uma das minhas favoritas, ele menciona Ferrugem, MC Cabelinho, TZ da Coronel, Duda Beat, Simone e Simaria, Yoún, e vários outros. 

Além de ficar imaginando a alegria dessa galera em serem citados por um ídolo, eu pensei também em como funcionava essa dinâmica do Caetano ouvindo esses nomes. E como eu falei, o Lucas deixou claro que o álbum foi se desenvolvendo de forma muito natural e influenciado, quem diria, pelos algoritmos: 

"Nesse processo teve uma boas vezes em que a gente ficou ouvindo referências. E elas são as mais diversas possíveis - desde rap ao funk, até coisas dele mesmo de outros tempos. Não sei o que a gente estava vendo na hora, mas apareceu um vídeo sugerido no Youtube do Leo Santana com a Marília Mendonça e a Didá e aquilo emocionou muito a gente e ele até botou na música. Esses momentos aconteceram e vão sempre acontecer porque ele é um cara que está sempre em busca do novo."

Por fim, eu pedi pro Lucas contar livremente sobre alguns bastidores das vivências e gravações com o Caetano, aliás, ninguém passou mais tempo com ele durante essas gravações. Para ouvi-lo, confira minha Resenha completa no Youtube: 



Tudo bem que era muito improvável que eu não gostasse de um álbum do Caetano, mas não esperava curtir tanto assim. Ele está mais atual e necessário que nunca e trocar essa ideia com o Lucas me fez admirar ainda mais o trabalho dos dois.

"Meu Coco" é um álbum otimista e eu amo isso. É um olhar sincero pro Brasil e que desperta muitas emoções, sobretudo positivas. Se você ainda não ouviu, dê uma chance e, assim como eu, se apaixone também. 


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