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No novo CD, Carlos Lyra vai “Além da Bossa”

quinta, 04 de abril de 2019

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Pilar harmônico e melódico da bossa nova, o carioca Carlos Lyra, só ou com parceiros como Vinicius de Moraes, Geraldo Vandré, Gianfrancesco Guarnieri e Ronaldo Bôscoli, enfileirou êxitos na área, de trânsito nacional e planetário. Entre eles estão “Influencia do jazz”, “Maria ninguém”, “Lobo bobo”, “Minha namorada”, “Canção que morre no ar”, “Coisa mais linda”, “Você e eu”, “Sabe você”, “Também quem mandou”“Saudade fez um samba”, “Se é tarde, me perdoa”, “Maria Moita”, “Tem dó de mim”, “Quem quiser encontrar o amor”, "Feio, não é bonito".  Nem todas obedecem à estética básica do movimento, como a seresteira “Primavera”, o afro samba “Aruanda”, a “Marcha da quarta feira de cinzas” e até mesmo o xaxado satírico “Pau de arara”, da peça com Vinicius, “Pobre Menina rica”, um retumbante sucesso popular na gravação do ator e humorista Ary Toledo. Não por acaso, o recém lançado disco do cantor, compositor e violonista intitula-se “Além da bossa” (MCK), empenhado em dilatar o conceito – ou rótulo – que algema um dos criadores a sua tentacular criatura. 

O roteiro garimpa desde composições anteriores ao movimento, como as lentas “Onde andou você” e “Romântico até demais”, de 1956, na fronteira entre a canção e o bolero, a poemas de autores clássicos que ele musicou. Como o baiano (Antonio Frederico de) Castro Alves (1847-1871), de “As duas flores” (1997), levemente cadenciada, com trinados e arabescos de flauta; o carioca (Joaquim Maria) Machado de Assis (1839-1908) de “Quando ela fala”, emoldurada por sax soprano e o espanhol (Felix) Lope de Veja (Y Carpio) (1562-1635), da arisca “Val de Funteovejuna” (1968). Há dois sambas de feitio tradicional e sabor picaresco como “Na batucada”, de 2010, (“tem uma lua prateada/ e uma morena descolada/ que vai por mim, se Deus quiser”) ou satírico como o “Samba da breca”, num viés Moreira da Silva, “Achados e perdidos”, de 1973: “Minha patroa anda com muita sorte/ não sei como não ganha numa loteria/ só sai de dia pra voltar de noite/ e nunca aparece com a mão vazia”.

Mas a bossa não está de todo ausente do disco, como nas parcerias de Lyra com João Donato, também o pianista e orquestrador da faixa, “Pra sempre”, de 2008 (“de onde vem um amor/ quando vem de repente? / e onde vai a paixão que se esvai simplesmente/”) e Marcos Valle, igualmente o pianista e orquestrador de “Até o fim”, de 2006, com um trecho em francês. Os dois são alguns dos convidados de um time de instrumentistas de primeira grandeza, onde pontificam os sopros de Dirceu Leite e Jessé Sadoc. Na nostálgica “E era Copacabana” (“noites febris/ tempos gentis/ eu já fui tão feliz/ mais do que eu quis”), parceria com Joyce Moreno, de 2005, há ainda o piano de Antonio Adolfo e orquestração de Dori Caymmi. Com o sobrinho Claudio Lyra, orquestrador da faixa, que divide o arranjo com o tio Carlos, desfila a sagaz “Passageiros” (“somos todos passageiros/ desse trem desgovernado/ ninguém sabe em que parada/ vai chegar...”). “Além da bossa” não acaba em samba, mas no agudo “Tango suburbano” (“o cabaré foi ficando vazio/ paguei a nossa despesa ao garçom/ o teu olhar embaçado era frio/ que nem o vidro da luz de neon”), parceria com Paulo Cesar Pinheiro, de 1999, mais um sortilégio da lira múltipla do Lyra.


Texto de: Tárik de Souza
Fonte da imagem: Divulgação/Capa do álbum 'Além da bossa', de Carlos Lyra


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