Flores em Vida

Noca da Portela, o imortal

terça, 19 de dezembro de 2023

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Baluarte celebrou 91 anos no dia 12 de dezembro e se reinventa para novos projetos em 2024

Autor de músicas como "Alegria Contínua" e "É preciso muito amor", Noca da Portela celebrou 91 anos no dia 12 de dezembro. (Foto: Rafael Luvizetto / Coletivo Sindicato do Samba)

No quintal do fundo da sua casa azul de três andares, no bairro Engenho de Dentro, no subúrbio da cidade do Rio de Janeiro, seu Osvaldo Alves Pereira celebrou 91 anos entre familiares na última terça-feira, dia 12 de dezembro. Batizado pelo famoso chá de macaco - leia-se "cerveja gelada" - o almoço teve representantes de diversas idades: ao redor do veterano, reuniram-se filhos, netos, bisnetos e até tataranetos. "É meu compadre, 91 anos não são 91 dias. Não paro de receber ligações. Desde a 1h da manhã estou no telefone, até do Japão me ligaram", conta Osvaldo, a quem o mundo carinhosamente conhece como Noca da Portela.

Envelhecer não é fácil e cada dia é uma prova de superação e determinação. Assim, além do motivo óbvio do aniversário, o clima no quintal era de festa principalmente porque as últimas semanas foram preenchidas por consultas e visitas médicas, as quais Noca cumpre com rigor: "Eu sigo tudo direitinho o que recebo de orientações dos doutores e doutoras".

Noca da Portela no quintal de sua casa ao lado de sua neta. (Foto: Rafael Luvizetto / Coletivo Sindicato do Samba)

Legado e Obra
Recentemente, no dia 10 de novembro, em show realizado no Imperator, tradicional casa de shows no Méier, no Rio de Janeiro, Noca passou oficialmente o bastão para seu neto Diogo Pereira, que agora se apresenta artisticamente como Noca Neto. "É o meu netinho que agora terá a missão de cantar esse legado e a memória do Noca. Chegou a minha hora de pendurar as chuteiras". Mas o baluarte se refere apenas a sua atuação enquanto cantor e para apresentações nos palcos, uma vez que as composições e inspirações continuam: "Se me der uma melodia eu faço no dia mesmo. Aqui é caneta nervosa, malandro", confia o portelense. 

Noca ao lado de seu neto Diogo Pereira, que agora assume o nome artístico de Noca Neto (Foto: Divulgação - Redes Sociais)

Considerando a envergadura da idade do bamba e a necessidade de se manter ativo artisticamente, os projetos ganharam novas possibilidades e formatos e o ano de 2024 promete: o sambista pretende realizar o "Noca em Casa", série de entrevistas audiovisuais em que reunirá amigos e amigas em sua residência para uma prosa musical, além de escrever um livro. "Minha vida já virou livro. Agora, quero escrever uma biografia contada por mim mesmo. Ainda tem muita história do velho Noca!", conta seu Osvaldo, fazendo referência a obra escrita por Marcelo Braz, "Noca de Todos os Sambas", e lançada pela editora da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, em 2019.

Outro projeto que desperta o encanto de Noca é o "Flores em Vida", espécie de diário musical no qual o sambista apresenta suas canções ao lado de grandes artistas e amigos: "Tem participação da Roberta Sá, Diogo Nogueira, Zeca Pagodinho, Neguinho da Beija-Flor e muito mais gente. Algo que me marcou muito nesse projeto foi um forró que fiz há 70 anos junto com o Jackson do Pandeiro. Ficou imortalizado. Outra música que gosto muito é uma parceria com Martinho da Vila, que é um grito contra o racismo".

Com aproximadamente 400 músicas gravadas, Noca viu, ao longo de sua carreira, suas composições serem interpretadas nas vozes de artistas fundamentais do cancioneiro popular, nomes como, por exemplo, Maria Bethânia, Paulinho da Viola e Clara Nunes. Foi parceiro musical e conviveu com figuras de alto destaque, tais quais Dona Ivone Lara, Candeia, Zé Keti, Mauro Duarte e muitos outros. Em sua escola, a tradicional Portela, agremiação de Madureira, é um dos baluartes mais velhos em vida e o maior vencedor de sambas-enredo, ao lado de David Corrêa, com 7 conquistas cada. "A maior glória da minha vida é ser Portela. Meu sangue é azul e branco".

Um dos ícones da música brasileira, Noca da Portela já teve músicas gravadas por artistas como Maria Bethânia, Paulinho da Viola e Beth Carvalho (Foto: Rafael Luvizetto / Coletivo Sindicato do Samba)

Noca foi um sambista que alcançou lugares até então pouco acessados por seus pares: tornou-se Secretário de Cultura do Estado do Rio de Janeiro, cargo que ocupou durante o ano de 2006; foi nomeado pelo presidente Lula como Comendador da República e; em 2022, ganhou o título de Doutor Honoris Causa pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. "Eu devo ao samba tudo que a vida me deu. Sou eternamente grato e a vida é magnificante quando nos damos o direito de aprender nessa escola", filosofa. 

Um dos grandes nomes da história da música brasileira, Noca ensina o que é malandragem de verdade: "O que mais vale é o amor e a família. Aprendi com minha vó Brígida: a vida só termina quando se deixa de viver. E é preciso respeitar para ser respeitado". E conclui com maestria: "É a hora do Brasil conhecer os últimos dos moicanos. Estamos aí, eu, Zé Katimba, Aloisio Machado, Nei Lopes…. Depois da gente, não tem mais não, meu cumpadre".

Camilo Bousquat Arabe é jornalista, músico e produtor. Idealizador do Coletivo Sindicato do Samba, movimento que luta pela valorização de mestres e mestras da Cultura Popular, é amigo pessoal de Noca há mais de 10 anos.

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