Supersônicas

“Novas famílias”, o manifesto farpado de Marina Lima

terça, 20 de março de 2018

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A cantautora e instrumentista Marina Lima sai da zona de conforto de incontestável ídola pop e encara o tiroteio desta terra em transe, vestida para a batalha, com lenço no rosto, peito aberto e sutiã reforçado, na capa de Novas famílias (Pomello/Fullgás). Seu 21º disco tem produção assinada por ela e Dustan Gallas, do grupo Cidadão Instigado

“Excelente músico e produtor, toca bem baixo, guitarra, violão, domina os teclados e é fera no Logic, o programa de computador que uso para compor. E é também o primeiro produtor com quem trabalho que canta. Isso ajudou bastante no processo, pois pudemos criar e testar vocais do disco ainda na fase de produção”, elogia ela no texto de apresentação.

Também participou da co-produção, Arthur Kunz, do duo paraense Strobo, com Leo Chermont, que participará das turnês com ela. O disco tem oito inéditas, duas delas em parcerias com o irmão, o poeta e filósofo Antonio Cícero, agora imortal da Academia Brasileira de Letras. Uma delas, o soul funk, com batida trançada, “Juntas” discorre sobre o entardecer de São Paulo (“dá onda e refil/ me acolhe o vazio”), cidade onde mora há oito anos, em contraste com o de sua cidade natal, o Rio (“sinto falta dessa brisa/ mas, cá pra nós eu sou mais séria/ porque dispensaria a ponte aérea?”). Também escreveu com Cícero o sarcástico “Só os coxinhas” (“quis ridicularizar essa gente que só pensa em dinheiro a todo custo”), funkarioca co-produzido por João Brasil: “Agora abaixa um pouquinho/ agora dá um risinho/ agora solta o mindinho/ só os coxinhas, vai!”. Há um samba alheio no percurso, da local Klebi Nori, “Climática” (com Gian Correa), um lépido tecnobrega paraense, “É sexy, é gostoso” (parceria dela com Kunz e Gallas), e a deslizante balada “Do Mercosul” (com Dallas e Silva), com direito a acariciante solo de sax de Leo Gandelman: “isso nunca vai bastar/ leve o doce da manhã/ y los besos de um amor/ latino-americano”. Com toda a forma musical da primeira parte criada em cima de um arpeggiator do Logic repetindo um mote, “Árvores alheias”, só de Marina (inspirada no poema “Segue o seu destino” de Ricardo Reis, heterônimo de Fernando Pessoa), deságua em teclados profundos. Também só dela, a faixa título, uma guarânia (“Céus, e essas novas famílias/ com terras molhadas de amor/ minando qualquer ditador”) tem participação de Marcelo Jeneci nos vocais e piano. Outro petardo nas mazelas brasucas é “Mãe gentil” (com Letícia Novaes e Arthur Kunz) que escancara: “quebra pau/ tudo errado nesse paisinho/ pá de cal/ numa gente escrota e mesquinha”. Dialético, nesta terra onde a farsa se repete como história, o CD fecha numa faixa bônus que reprisa em estúdio “Pra começar” (outra parceria com Cícero), do disco “Todas ao vivo”, de 1986. A letra já profetizava: “Pátrias, famílias/ religiões e preconceitos/ quebrou, não tem mais jeito”


Fonte da imagem: Notas Musicais | Fotografia de Paulo Mancini; Reprodução da capa do álbum "Novas Famílias"


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