Nunca a expressão “todos somos insubstituíveis” fez tanto sentido: não teremos mais uma artista como Rita Lee no Brasil. Rita foi, simplesmente, tudo que ela quis ser, em sua vida pessoal, e também na arte, onde revolucionou a nossa música. Uma voz feminina e feminista, a primeira artista a tocar guitarra em seus shows, um instrumento tachado como masculino.
Rita teve sua primeira experiência musical na infância: sua mãe tocava piano, e ela gostava de assistir à mãe tocar. Inclusive, se arriscava a tocar uma nota e outra. Notando o interesse da filha pela música, o pai de Rita, dentista renomado da capital paulista, resolveu fazer uma proposta à pianista Magdalena Tagliaferro, uma de suas mais famosas pacientes. Ele faria o tratamento dela de graça, se ela desse aulas de piano pra Rita.
Madalena topou. E ficou tão impressionada com a menina, que a convidou para participar de uma apresentação. No entanto, muito nervosa, Rita acabou fazendo xixi, sentada no banco em frente ao piano, na hora de tocar. O trauma e a recomendação da professora, para não seguir a carreira de artista, fizeram com que Rita demorasse alguns bons anos a voltar a pensar em música.
Com 15 anos, fez sua primeira participação em um show, como backing vocal. Na sequência, junto com três amigas, fundou o Teenage Singers, que viria a se juntar com outro grupo, formando O'Seis. Até que mais três integrantes saíram, e eles resolveram mudar o nome para Os Bruxos.
No ano de 66, os bruxos começaram a chamar a atenção da TV Record. Após uma tentativa frustrada de se apresentar no programa Jovem Guarda, acabaram arranjando espaço no programa de Ronnie Von, que sugeriu que eles mudassem de nome e, inclusive, podiam se inspirar no livro que ele estava lendo: O Império dos Mutantes, de Stefan Wul.
"Eles vieram de outro planeta e estão entre nós para tocar”. Foi assim que Ronnie Von anunciou Os Mutantes, banda recém batizada por ele próprio, nos bastidores de seu programa. Formada por Rita, Arnaldo Baptista e Sérgio Dias, a banda integrou esse movimento, que a fez ser conhecida no país todo, a partir do Festival da Canção de 1967, quando tocou “Domingo no parque” acompanhando Gilberto Gil. Uma cena emblemática da música brasileira.
Assim, Rita Lee fingia para a família que ia à faculdade e ia ser tropicalista. Neste momento, deu o primeiro passo para uma de suas características mais encantadoras da carreira: as roupas. Naquele dia, embora quisesse se vestir de Cleópatra, usou uma roupa à Pocahontas.
Depois de discos espetaculares com Os Mutantes, Rita se desentendeu com os demais membros, saiu da banda e resolveu seguir carreira solo, que já contava com os álbuns "Build up" e "Hoje é o primeiro dia do resto da sua vida". Em 1974, lançou o álbum “Atrás do porto tem uma cidade”, pela Philips, mas a gravadora começou a se preocupar com a figura de Rita. Para isso convocou uma reunião com ela, Nelson Motta, Paulo Coelho e alguns outros para “aconselhar” a atitude da cantora. Deram dicas de como se vestir, o que dizer, como agir. Rita não gostou e foi embora para a Som Livre, onde viveu sua era de ouro.
Em junho de 75, acompanhada da banda Tutti Frutti, lançou o icônico "Fruto proibido", um dos melhores álbuns da música brasileira, que trouxe inúmeros hits, um deles dizendo que resolveu mudar e fazer tudo que queria fazer. Nesse mesmo álbum, Rita compôs um de seus maiores sucessos: “Ovelha negra”.
Em 1976, além de lançar o álbum "Entradas e bandeira", conheceu Roberto de Carvalho, seu grande parceiro musical e de vida. Poucos meses depois, Rita engravidou e, ainda, foi presa, pelo uso e porte de drogas, quando foi depor contra um policial que matou um menino no show dos Mutantes. A prisão ocorreu três dias depois, sendo acusada de tráfico de drogas. Uma possível vingança.
No fim dos anos 70, Rita Lee ousou, ao trazer a sensualidade feminina para sua obra. Após lançar “Mania de você”, em 1979, compôs “Lança perfume” em 1980.
A canção, que tem como título o nome de uma droga solvente inalante proibida no Brasil naquele período, e muito popular no carnaval, é uma ode ao lança perfume em forma de conteúdo sexual.
Em 1981, Rita Lee emplacou mais uma série de hits no álbum “Saúde”: “Banho de espuma”, “Mutante”, “Atlântida”, além da faixa título ganharam a boca do povo. Outra característica da obra de Rita é o bom humor e a ironia. E ela aparece bem na letra de “Flagra”, lançada em 1982, no álbum de mesmo nome.
Nos anos 90, voltou às paradas de sucesso com a canção "Vítima". Também retomou uma velha característica sua: a de fazer homenagens a mulheres em suas letras, como “Pagu” e “Todas as mulheres do mundo”. Nos anos 2000, cansou. Resolveu parar de fazer shows e depois viver reclusa com seus amores seus últimos dias. Rita soube viver como uma verdadeira rainha da música brasileira. Subversiva, inteligente, revolucionária, que deixou a MPB menos careta.
Segue o Ponteio em homenagem a Rita Lee feito em 2022, quando ela completou 75 anos.
OUÇA PONTEIO - 31/12/2022 - RITA LEE
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