Prosa & Samba

O Carnaval da vida e suas infindáveis emoções

segunda, 02 de maio de 2022

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“Gotas de água da chuva, tão triste
são lágrimas na inundação”

trecho da Letra Planeta água - compositor:  Guilherme Arantes


Perdido entre as luzes dos holofotes e avesso às ventanias do leve outono que surpreende a capital gastronômica do mundo, São Paulo desperta amores e paladares diversos dentro desta vasta opção de diversão. Dentre as possibilidades, nas camadas periféricas da cidade, as Escolas de Samba são fontes de enriquecimento social,  ponto de encontro entre os povos de diversas classes sociais por intermédio do ritmo. Verdadeiros Quilombos enraizados, filandras do tempo que constroem nos pés deste gigante baobá, conexões com nossa origem ancestral, o samba.

Contemplado em graça, neste carnaval, fomos agraciados pela arte e talento de profissionais de diversas áreas, muitos conseguiram exprimir em traços, obras no qual se tornaram candeias para novos navegantes. Na passarela do Samba, o frio não influenciou ou desestimulou o grande público que encheram as arquibancadas em todas as noites de gala. Claro, que o grande filão do público foi os Desfiles do Grupo Especial, um misto de agremiações tradicionais e Escolas oriundas das grandes torcidas de Futebol. 

Grupo este que abriu os trabalhos no último dia (22/04) a Acadêmicos do Tucuruvi, apresentando uma crítica construtiva sobre o próprio carnaval, recordando as tradicionais agremiações que auxiliaram a concretar os sonhos de diversas comunidades. um desfile repleto de lembranças e memórias e com o desejo de uma leitura fácil sobre os momentos que ficaram presos na lembrança dos sambistas.

Na sequência, “Carolina, A Cinderela Negra do Canindé” tem sua história contada pela Colorado do Brás, a singela e perfeita homenagem à compositora e escritora Carolina Maria de Jesus, que foi moradora da favela da mesma região e que ficou famosa pelo Livro “Quarto de Despejo” no qual retratou de forma intrínseca a sua realidade de vida e de pessoas da região. 

A Mancha Verde, apresentou como tema o enredo: Planeta Água, tendo como ponto base a canção de mesmo nome do compositor e Cantor Guilherme Arantes, reforçando a ampla visão sobre as questões ambientais à tona e ressaltando a importância de sua preservação. 


O “Pequeno Príncipe do Sertão” é exaltado pela Escola de Samba Tom Maior,  os cordéis que são famosos entre a população nordestina vem à tona neste grande palco, sendo recontado na visão de um menino, trabalho belíssimo.

“O Mundo precisa de cada um de nós” este foi o tema abordado pela Unidos de Vila Maria, que retrata a importância de nossas atitudes perante ao mundo para que possamos assim viver em um universo melhor. 

Através da sabedoria e das visões dos Pretos Velhos, entidades ligadas à cultura africana, a Acadêmicos do Tatuapé canta a saga do café como um dos maiores produtos de exportação de nosso país.

A vida do corinthiano cantor Adoniran foi retratada através do olhar ímpar da Dragões da Real, escola de samba oriunda da torcida do São Paulo Futebol Clube, a agremiação utilizou um recorte diferenciado retratando a vida deste humilde intérprete e sua construção social. 

Se permitindo olhar para dentro de sua história, a Escola de Samba Vai-Vai buscou conectar o Bixiga às suas raízes africanas e cantou o samba-enredo: "Sankofa! Volte e pegue, Vai-Vai".

A agremiação que é uma das grandes vencedoras do Carnaval Paulistano, retornou ao grupo especial após a queda em 2019. 

Com o enredo “Basta”, a Gaviões da Fiel soltou a voz guardada no fundo do peito e pediu o fim das impunidades contra a sociedade, a agremiação que sempre foi envolvida com as causas democráticas de nosso país, fez novamente este apelo para as mazelas da sociedade.

“Não vadeia Clementina”, um jargão que fora cantarolado nos idos dos anos 80 e que retornou com força, através desta bela homenagem da Mocidade Alegre à grande Quelé, Clementina de Jesus.

Pedindo proteção a Oxalá, divindade dos rituais africanos no qual sua imagem é relacionada a criação do mundo e de sua espécie. Cultuado no Candomblé, Umbanda e outras vertentes religiosas o seu olhar perante o nosso povo, foi entoado pela Águia de Ouro no enredo: "Afoxé de Oxalá – No ‘Cortejo de Babá’, Um Canto de Luz em Tempo de Trevas".

"A evolução está na sua fé…Saravá seu Zé!". Seguindo as temáticas africanas, a Barroca Zona Sul, contou a história desta entidade que é conhecida como o dono da noite e da boêmia.

A Rosas de Ouro cantou o enredo "Sanitatem", que fala sobre a cura através das religiões, a agremiação explorou este lado oculto e misterioso, porém que nos ajuda a manter a saúde e a sanidade.

E fechando a noite, a Império de Casa Verde nos apresentou as diversas formas de comunicação através dos tempos e celebrou a carreira do Influencer e Comunicador Carlinhos Maia.


Expectativa x Realidade

Nesta retomada dos grandes espetáculos, o Carnaval é uma das maiores expressões culturais de um povo. Pulemos a questão de ter ou não ter e sim observamos os cenários no qual a flexibilização permitiu o retorno de diversos eventos e por que não o Carnaval?

Comprovadamente, o mesmo nunca foi vilão dentro desta questão da Covid-19 pelo contrário está mais para refém de uma classe que não consome este produto.

Dadas as circunstâncias, o Carnaval Paulistano teve uma boa recepção de público em todos os dias no qual fora efetuado, dentro das suas proporções as comunidades vibraram com o retorno e a possibilidade de colocar a suas vozes para fora e um belíssimo espetáculo foi compartilhado para todos. 

No Carnaval da vida, todos venceram!


A Apuração: Um Carrossel de emoções

Uma disputa acirrada ponto a ponto, com requintes de crueldade e emoção até o final, parecia uma partida final de Copa do Mundo, mas na verdade foi uma das apurações mais equilibradas dos últimos tempos.

Após um ano sem evento, quatorze Escolas de Samba do Grupo Especial buscavam a chance de conquistar o tão almejado troféu, as favoritas desta disputa foram pouco a pouco se posicionando nas primeiras fileiras, a disputa na parte de cima e na de baixo da tabela, traziam sinais de mudanças constantes.

O título ficou com a Escola de Samba Mancha Verde que apresentou um belo trabalho plástico, conduzido pelo carnavalesco Jorge Freitas que nos presenteou com sua marca característica: fantasias e alegorias de altíssima qualidade.

Outro grande destaque fica pela apresentação lírica da ala musical do intérprete Fred Vianna e sua ala musical. 

O segundo lugar ficou com a Mocidade Alegre que teve o seu trabalho construído pelo talento do Carnavalesco Edson Pereira, a agremiação que sempre apresenta belos desfiles teve como ponto alto a beleza de sua comissão de frente e da ala das baianas, fantástica.


A Império de Casa Verde, que ficou com o terceiro lugar, tem como grande destaque o trabalho concebido pelo carnavalesco Mauro Quintaes que nos presenteou com belas e gigantescas alegorias e nos trouxe ainda um Qrcode de grandes novidades. 

A Tom Maior e a Unidos de Vila Maria ficaram com o Quarto e Quinto lugares, apresentaram dois temas interessantes, a Tom Maior nos trouxe a alegria dos cordéis nordestinos e a Vila Maria nos mostrou como é importante sentir o carinho e o apreço do próximo fechando o grupo das campeãs do carnaval.

Na superação, a Acadêmicos do Tatuapé que era uma das favoritas, teve problemas com uma das alegorias em seu cortejo e disputou ponto a ponto para sobrevivência, com belas alegorias e com a força do canto de sua comunidade que caminhou junto ao seu intérprete Celsinho Mody a escola conseguiu permanecer no grupo, deixando a vaga para a tradicional Vai-Vai e Colorado do Brás que foram rebaixadas.

Ascendem ao grupo Especial, a estreante Estrela do Terceiro Milênio, do Bairro do Grajaú, representando o extremo sul de São Paulo, que apresentou um belíssimo desfile em homenagem a mulher construído pelo Carnavalesco Murilo Lobo, destaque para a dupla de intérpretes Grazzi Brazil e Pitty de Menezes e a bateria de Mestre Vitor Velloso que ajudaram a construir esta conquista. 

E a Independente Tricolor que retorna à elite depois de sua primeira passagem em 2017, a escola foi a vice campeã cantando o enredo:  Brava gente é hora de acordar, trabalho do Carnavalesco Amauri Santos. 

Na disputa do Grupo de Acesso 2, não faltou emoções, a Nenê de Vila Matilde e a Unidos do Peruche disputaram até o final o título, e a conquista ficou com a agremiação da zona leste.

A Nenê que reeditou o enredo: Narciso Negro, que foi apresentado em 1997 nas mãos do Carnavalesco Tito Arantes, desta vez coube ao Carnavalesco Fábio Gouveia e ao enredista Diego Araújo reconstruirem esta atualização e o resultado foi o título deste samba entoado na voz do Cantor  Agnaldo Amaral. 

Exaltando o poder do povo negro, a composição de Dom Marcos, Marco Antônio, Nilton da Flor, Mikal, Vado e Zé Carlos, novamente ecoou no sambódromo do Anhembi e  celebrou a memória de grandes nomes da cultura e da música negra brasileira. 

E pra fechar, um dos grandes momentos deste tríduo de momo ficou por conta da emoção.

Através da voz do narrador Zulu Pereira, o universo do carnaval saudou aqueles que contribuíram para o gigantismo deste universo, mas partiram devido a Covid-19 e suas complicações.

A cada palavra proferida pelo nobre Zulu, nos trazia a sensação de um som seco de um surdo de marcação, no quesito saudade a nota sempre será dez!

Este texto celebra a memória de todos que partiram e venho tecer os aplausos a todas as agremiações!


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