Música

O Que é Elza Soares 90+1 anos depois?

Por: Caio Andrade

quinta, 24 de junho de 2021

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Que Elza Soares é uma grande cantora brasileira, dona de uma voz e interpretações únicas todo mundo já sabe. É um fato mais que comprovado através da sua premiada e renomada trajetória. Mesmo assim, podem surgir algumas questões do tipo “como” ou “por que?” ela é hoje esse ícone da juventude e ainda tão reverenciada décadas depois de ter surgido cantando “Se Acaso Você Chegasse” lá nos anos 1960.

Foto: Reprodução

No meio de tantas questões políticas, sociais, musicais, enfim, acontecendo nos anos 1960 e 1970 no Brasil e no mundo, você percebe uma forte mudança na imagem da artista e nas músicas que ela passa a gravar: a cantora, que aparecia nas capas dos álbuns com a pele clareada, peruca com laquê e roupinha de madame, passa a usar black power e túnicas que remetem à cultura afro-brasileira. O próprio título dos álbuns pode soar de maneira mais afirmativa a partir de então. Não é mais uma frase genérica como em “Sambossa” (1963) ou “Um Show de Elza” (1965), agora é “Elza Pede Passagem” (1972) ou “Sangue, Suor e Raça” (1972), álbum antológico ao lado de Roberto Ribeiro. No repertório, o sambalanço dá lugar ao soul, ao “samba de raiz” e até a pontos de Umbanda.

Capa dos álbuns Sambossa (1963) e Planeta Fome (2019) (Foto: Reprodução)

É preciso lembrar que Elza lutou (e muito!) para chegar onde chegou, como ela mesmo canta em “Como Lutei”. Seja problema com os militares no período da ditadura, seja com Garrincha em casa, ela foi se tornando um símbolo de grupos marginalizados na nossa sociedade. Ela passa a se tornar uma figura do povo para o povo. Com o passar dos anos, ela foi assumindo cada vez mais suas raízes populares e ancestralidades e abandonando uma tradição muito influenciada pela bossa nova – ainda mais na Odeon, onde Elza gravou de 1960 até mais ou menos 1973/74, uma gravadora ainda bastante conservadora. Basta ver em quantas gravações você percebe um cavaquinho ou pandeiro nos arranjos. O lado compositor dela também começa a aparecer a partir dessa época.

Ela foi como um camaleão, experimentando cada vez mais ao longo da carreira. Gravou uma miscelânea de estilos e hoje é identificada com o pop, o rap, o rock. Mas, já nos anos 1980, ela gravava músicas como “Cobra Cainana” e “Somos Todos Iguais”, trazendo estilos diferentes dos álbuns anteriores. Se repararmos bem, atender às demandas da indústria fonográfica assim como o gosto do público e das novas gerações mostram o carinho dela com aqueles que a ouvem e a sagacidade dela de entender o que o momento pedia.

Houve dificuldades? Muitas, com certeza. Mas, diferentemente de artistas que se atém a um mesmo estilo e público a vida inteira, Elza não teve medo de tentar ou arriscar, tendo se comunicado com os jovens da época dela até os netos deles nos dias de hoje. Como ela mesmo fala, “Sou atemporal”. E é mesmo. Com mais de 90 anos, já adiantou para os fãs em maio que está planejando o próximo álbum, “o quarto dessa nova fase”.

Passar dos 90 anos com um repertório bastante diferente daquele que a lançou no mercado e manter o mesmo nível não é para qualquer artista. A repercussão? Talvez ainda maior por conta do advento da internet e das redes sociais. Em uma via de mão-dupla, cantar sobre problemas sociais e políticos do país hoje só mostra como ela está antenada no que se passa e, na mesma medida, o público reverenciá-la só mostra o quanto ela se faz bastante necessária ao cantar aquilo que o ele não só quer como também precisa ouvir.

No fim, Elza Soares deixou de ser apenas um nome, uma pessoa, e passou a ser quase um estado de espírito, uma ideia, um símbolo, um canal de luta contra desigualdades sociais, machismo, racismo, transfobia e diversas outras questões. Elza Soares é “isso”. 



Caio Andrade é graduando de História da Arte na Escola de Belas Artes (EBA/UFRJ) e Assistente de Pesquisa e Comunicação no Instituto Memória Musical Brasileira (IMMuB) desde 2020Grande apaixonado por samba, pesquisa sobre o gênero há mais de uma década, além de tocar em rodas e serestas no Rio de Janeiro.

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