Rolê Musical

O Ronco da Cuíca ganha protagonismo em 'Malandro 5 Estrelas'

sábado, 12 de junho de 2021

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Falar em cuíca nos remete imediatamente à percussão no samba. Muitos acreditam ser uma criação carioca, o crítico e pesquisador Sérgio Cabral chega a admitir isto em um dos seus livros, enquanto Nei Lopes num dicionário do samba identifica a origem real da cuíca, que veio de Angola, onde tem o nome de puíta. Já em Pernambuco ela é identificada como um dos instrumentos essenciais empregados nas manifestações da cultura popular da Zona da Mata, onde o nome mais comum é póica (porca)

Câmara Cascudo, em artigo publicado em 1937, no Jornal do Commercio, do Recife, contava do medo que, quando criança, em Natal (RN) sentia do ronco da cuíca, cujo som se propagava até dois quilômetros de onde era tocada. “Em 1906 ainda existiam puítas em Natal, não obstante a proibição da polícia. O atual puíta é apenas um puíta-zambê. Puíta incompleto e amputado. O legítimo puíta era uma barrica vazia de farinha do reino. Numa extremidade a pele de cabra bem tesa tinia como lâmina percutida. Atravessava a pele uma tira de couro de boi, estreita e áspera, cuja ponta se estendia em farto palmo fora da membrana. Enquanto um tocador sambeava com os punhos num lado da barrica, outro artista, tendo próxima uma quenga com água, molhava a mão e puxava a tira, escorregando a mão, atritava o couro, dando uma série de roncos que se ouviam de longe. Era o espanta sono dos curumins de Natal há vinte anos passados. Foi necessária a intervenção da polícia. Tiraram o rabo à puíta conservando-lhe o nome”.

A cuíca geralmente é secundário, espécie de toque de humor, num grupo de samba. Vira protagonista com o cuiqueiro carioca Índio da Cuíca, um mestre no instrumento, com uma vasta folha corrida de serviços prestados às mais diversas alas da MPB, incluindo aí até Roberto Carlos. Ele lançou recentemente o seu disco solo, aos 70 anos, o elogiado "Malandro 5 Estrelas" (QTV).  Embora não ouse tanto quanto poderia, talento pra isto tem, Índio da Cuíca aponta caminhos para explorar os roncos da cuíca, o que pode levar ao que Naná Vasconcelos extraiu do berimbau, instrumento antes dele, semi-aproveitado nos paranauês da capoeira, e tornado instrumento solo em concertos do percussionista pernambucano. 

Foto: Alfredo Alves/Divulgação

Nem por isso, "Malandro 5 Estrelas" deixa de ser uma grata surpresa, com dez sambas autorais de Índio da Cuíca, com produção arranjos e direção artística de Gabriel de Aquino e Paulinho Bicolor, que deixaram índio se expandir no álbum. As dez faixas são de sua autorias, canta samba, bolero, calango, música de terreiro e funk carioca. Composições que, em boa parte, têm sabor de passado, feito em "Shirley", um bolero de gafieira, que pode um dois-pra-lá dois-pra-cá. Além de cantar, Índio da Cuíca também toca cavaquinho, violão, pandeiro, berimbau, reco-reco.

A figura de Índio da Cuíca parece ter atravessado o túnel do tempo, é o malandro carioca, no bom sentido que, feito na canção de Chico Buarque, não existe mais. Isto é bem traduzido na capa, que estampa colorido desenho de Shirley Oliveira. Louvável também porque faz um estilo de samba, cada vez menos praticado do gênero cada vez mais diluído. Sobretudo chama para os holofotes uma cepa de músico que geralmente está fadado a ser coadjuvante até o fim da carreira, cuiqueiro quando morre ganha quando muito notinha em jornal. Índio da Cuíca pode mudar este descaso.  

Índio da Cuíca tem história. Filho de pai sambista, nascido no morro do Borel, toca desde os 14 anos, integrou grupos de samba no início da década de 70, acompanhou alguns dos principais sambistas brasileiros, viajou pelo mundo afora, e agora mostra sua maestria num instrumento que o africano nos legou. A cuíca, puíta, onça, ou póica. Torcer pra Índio da Cuíca dar sequencia a este disco, e estender ainda mais os limites deste subestimado instrumento.  Um disco cuja cotação, de 1 a 5, já vem estampada na capa.

José Teles

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