Os 70 anos da consagração do pau elétrico
Em 1951, Dodô e Osmar inventaram o trio elétrico apresentando a Fobica e o instrumento que mais tarde seria chamado de guitarra baiana
Um ano atrás, quem pulava no carnaval baiano já prometendo voltar não imaginava que, em 2021, não haveria folia no aniversário de 70 anos do trio elétrico. Em tempos de pandemia, o carnaval foi suspenso, mas a memória, não. Este ano, artistas não vão sair em cima de seus caminhões pelas ruas de Salvador, mas nenhum deles vai esquecer que em 1951, Adolfo Antonio Nascimento, o Dodô, à altura com 30 anos, e Osmar Alvares de Macedo, de 27 à época, inauguraram a maior invenção carnavalesca, o trio elétrico, e apresentariam a um número enorme de pessoas o pau elétrico e a Fobica. Na tarde de 4 de fevereiro, domingo de carnaval, o Ford Modelo T ano 1929 carregou, além dos músicos e seus instrumentos – inclusive o pau elétrico – um gerador de dois quilowatts e alto-falantes na dianteira e na traseira do carro. O trio elétrico entrou na rua Chile em baixa velocidade e alto volume e, atrás da Fobica, foram incontáveis e incontroláveis foliões.
O Ford "Bigode" de 1929 (Foto: Reprodução/MFG Carros Antigos)
Fobica foi o segundo apelido dado ao Ford Modelo T, um carro popular que, ao chegar no Brasil no fim dos anos 1920, primeiramente foi chamado de Ford Bigode e que virou um palco ambulante. Pau Elétrico era um protótipo de guitarra que consistia em uma base de madeira extraída de violões ou cavaquinhos, com quatro cordas e uma conexão elétrica. Dodô era técnico em eletrônica e Osmar, bandolinista. Os dois decidiram adaptar uma ideia que viram em uma apresentação do músico Benedito Chaves: em seu show, o mineiro tocou um violão tradicional adaptado com um captador. A dupla buscou utilizar o sistema em um instrumento de corpo maciço, mas demorou até que eles conseguissem encontrar a sonoridade perfeita. Dodô e Osmar visitavam lojas, compravam o instrumento “mais resistente” e quebravam ali mesmo para levar só o braço. Além de pegarem só o que queriam, dessa forma evitavam ser vistos como “vagabundos”, como chamavam os que carregavam instrumentos musicais na mão pelas ruas durante o dia. Experimentando o braço do violão, do cavaquinho e do bandolim, Dodô e Osmar conceberam em 1942 um instrumento que pudesse ser amplificado em alto volume sem gerar microfonia.
Reprodução do Pau Elétrico criado por Dodô e Osmar. (Foto: Reprodução/Guitarra Brasil)
Isso se deu em meados dos anos 1940 e, por isso, considera-se que foi na Bahia que se construiu uma das primeiras guitarras brasileiras. Naquele primeiro ano de trio elétrico, Dodô e Osmar ligaram o pau elétrico à bateria do automóvel para possibilitar que o som alcançasse mais gente, algo que o violão acústico não permitia. O instrumento eletrificado de quatro cordas se tornou a cara da música baiana e o filho de Osmar nascido em 1953, Armandinho Macêdo, assumiria o pau elétrico e lhe daria outro nome, guitarra baiana, afinal a inovação carnavalesca sofria influência do rock. Dali para frente Armandinho passou a ser considerado uma referência do instrumento. No livro “Heróis da guitarra brasileira”, dos jornalistas Leandro Souto Maior e Ricardo Schott, Armandinho conta que cresceu lidando com o instrumento de forma muito natural:
“Ter um amplificador e um instrumento elétrico maciço era comum para mim. Não imaginava o quanto estava à frente do que viria no decorrer dos anos 60. Beatles, Stones, Jimi Hendrix... Este último, um marco, que mostrou todas as possibilidades da distorção em solos alucinógenos fantásticos. Mas, para mim, já estava tudo ali anos antes. O frevo passa a ser o meu rock e o pau elétrico, a minha guitarra!".
Foto: Divulgação/Correio
O integrante da banda A Cor do Som – Armandinho adicionou a quinta corda ao instrumento – chama de frevo baiano o resultado da transformação que a guitarra baiana trouxe para a música da Bahia. Para rotular o novo som que saiu da Fobica – nos anos seguintes, o veículo também foi evoluindo até os artistas locais chegarem aos caminhões – “frevo baiano” foi a melhor opção, já que, de passagem pela capital baiana, o clube de frevo Vassourinhas tinha sido a grande sensação do pré-Carnaval de 1951. Foi essa passagem dos pernambucanos que inspirou Dodô e Osmar, que adoraram o acontecimento e resolveram fazer algo diferente naquele carnaval. A invenção de Dodô e Osmar fez com que todo tipo de gente dividisse o mesmo espaço, algo que anos mais tarde se desfaria com a divisão social causada pelos trios elétricos que aderiram à venda de abadás e separação por cordas.
Dodô morreu em 1978 de problemas cardiovasculares e Osmar, em 1997, de falência múltipla dos órgãos devido a problemas decorrentes de sua duabetes e insuficiência respiratória e renal. Mas ainda hoje novas gerações de músicos continuam se dedicando à guitarra baiana, influenciados pela dupla e inspirados pelo repertório tocado no início da história do trio elétrico. Atualmente há diversos modelos de guitarra baiana (modelo strato, tipo bigsby, vibrato etc) e são encontrados em formato acústico, semi-acústico também. É pau elétrico para todos os gostos.
Os inventores do trio elétrico, Dodô e Osmar (Foto: Mario Luiz Thompson/Folhapress)
Chris Fuscaldo
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