Os cortes curtos e certeiros de Dinucci

Compositor e músico onipresente na nova cena da música paulistana, integrante dos grupos Metá Metá e Passo Torto, (e participante crucial de discos de Elza Soares, Criolo e Siba, entre vários), Kiko Dinucci finalmente estréia solo no cinematográfico “Cortes curtos” (Independente).

O título evoca “Short cuts”, longa do cineasta americano Robert Altman, mas também a urgência e a exasperação punk/rock de Lou Reed, de “Transformer”, com pitacos de sarcasmo nativo.

Na sufocante crônica urbana de “Vazio da morte”, a personagem quer se jogar do alto de um prédio de 30 andares, mas é avisada que o local só abre para visitas das 11 às 15, e terá que deixar o suicídio para o dia seguinte. Pretende arremessar-se e esmagar algum transeunte, “porque quero companhia/ no vazio da morte”.

O acalanto “Crack para ninar” não é menos bélico: “Me perdoe/ eu vou cair até o chão”, vomita a letra, engolfada em descargas de suas guitarras turbinadas, uma constante (embora sempre em timbres e paletas distintas) do disco.

A exemplos do trevoso “No escuro” (com Wandi Doratiotto, do Premê), do samba “Chorei” (Beto Villares) ou do irônico “Chorinho”, a léguas do gênero formatado por Pixinguinha. Há momentos menos crispados, na satírica “Morena do facebook” (um pé na bunda cibernético) e na quase lírica “Terra de um beijo só”, a propósito do hábito dos paulistanos de beijar apenas uma face do interlocutor.

O (in)tenso roteiro, também ecoa Itamar Assumpção, no jogo semovente de massas sonoras, Walter Franco no hai kai fragmentado (“Desmonto sua cabeça”) e Tom Zé, nas letras farpadas equilibrando-se sobre dissonâncias.

O power trio de guitarras de Kiko é complementado por Marcelo Cabral (baixo e sintetizador) e Sergio Machado (bateria), mas há participações de outros ases instrumentais como Thiago França, Rodrigo Campos e Guilherme Held e de duas gerações de cantoras vanguardistas, Ná Ozzetti e Suzana Salles, Tulipa Ruiz e Juçara Marçal.