Música e Direito

Os direitos morais e os direitos patrimoniais de autor

sábado, 27 de março de 2021

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No Brasil, o Direito de Autor adota a teoria dualista, o que significa que os Direitos Autorais se bipartem em duas categorias diferentes, porém interligadas e “nascidas simultaneamente”: uma de caráter patrimonial, conhecida como os direitos patrimoniais, e outra de caráter existencial, os chamados direitos morais. De um lado, se protege a essência da obra intelectual e a personalidade do autor projetada na sua criação. De outro, garante ao autor a exploração econômica da sua obra no mercado e a obtenção de lucros com essa utilização. 

A obra intelectual é o reflexo da personalidade do autor, seja ela artística, literária ou científica. É através dela que o seu espírito de criação se manifesta, expressando suas emoções, sentimentos e ideias. Por isso, a relação entre o criador e a sua obra estabelece um vínculo indissolúvel, não sendo possível dissociar um do outro, mesmo depois da morte do autor.

Por essa razão, os direitos autorais morais têm como fundamento principal a proteção da personalidade do autor, que são reconhecidos em função do seu resultado criativo. São direitos que nascem com a criação da obra, e produzem efeitos durante toda a sua existência, independente de qualquer formalidade. 

Em razão do caráter de ”pessoalidade” dos direitos morais, eles não podem ser renunciados ou transmitidos a terceiros, seja a título gratuito ou oneroso.  O prazo de proteção da obra previsto pela Lei de Direitos Autorais, portanto, não é aplicado aos direitos morais, cuja proteção é eterna. Se tratando de uma obra musical, a legislação garante a proteção da obra mesmo após cair em domínio público. Podemos dizer que o direito moral de autor é perpétuo, inalienável, imprescritível (= que não deixa de ter efeito ou aplicação) e irrenunciável.

Sendo assim, na prática, caso seja feita uma gravação de uma nova versão de obra musical já existente, é necessário que seja feita menção ao autor originário, que jamais pode ser dissociado da sua obra, mesmo que já tenha falecido. Tratam-se, portanto, de benefícios exercidos exclusivamente pelo autor, que permite que ele modifique ou retire sua obra de circulação, conserve, reivindique, dentre outras faculdades previstas no artigo 24 da Lei Autoral (Lei 9.610/98) na defesa da personalidade do autor. 

Os direitos patrimoniais do autor, por sua vez, são aqueles que se referem à exploração econômica da obra. São direitos que também nascem com a criação da obra, e que, ao contrário dos direitos morais, não estão vinculados à personalidade do autor. Os direitos patrimoniais possuem caráter de bem móvel e são alienáveis, conferindo ao autor o direito exclusivo de usar, fruir e dispor da sua obra, sendo exercido em comum acordo, quando coautoria, salvo se ajustado de forma diversa por eles.

Dessa forma, toda obra intelectual necessita de autorização prévia e expressa do autor original para que seja utilizada por qualquer forma ou processo. A lei estabelece que as utilizações são independentes entre si, ou seja, para cada nova forma de utilização da obra musical é necessária uma nova autorização. Diferentemente dos direitos morais, os direitos patrimoniais não são eternos, tendo um prazo de proteção de 70 anos após a morte do autor, contados de 1° de janeiro do ano subsequente ao de seu falecimento. Com o fim do prazo, a obra intelectual cai em domínio público, permitindo que qualquer pessoa usufrua dela livremente, respeitando o direito moral do autor original sempre.

Sobre o tema, há algumas dúvidas frequentes, como:

Pessoa jurídica pode ser autora de alguma obra intelectual no Brasil?

- Não. O artigo 11 da Lei de Direitos Autorais (LDA) define: “autor é a pessoa física criadora de obra literária, artística e científica”.

Exceção: Quando uma pessoa jurídica organiza uma obra coletiva (artigo 5º, VIII, h da LDA e artigo 5º, XXVIII, a, da Constituição Federal).

Sou compositor de uma obra musical e assinei um contrato com uma editora (edição ou cessão). Essa editora passa a ser autora da minha obra?

- Não. Em regra, essa editora passa a ser titular derivada dos seus direitos de autor dessa obra musical. Ou seja, ela tem direitos de exploração da obra, porém, com o autor ou os autores da obra mantidos sem alteração.

Os direitos de exploração dessa ficarão descritos no contrato, assim como o prazo dessa exploração e as obrigações de cada parte do contrato.

A editora passará a também ter direitos patrimoniais sobre essa obra musical do contrato e, em regra, será descrito no contrato o percentual de divisão entre editora e autor(es) quanto aos eventuais recebimentos de valores gerados com a exploração e uso dela.

Algum direito se sobrepõe ao outro? O moral ao patrimonial ou vice-versa? 

- Sim. Na teoria dualista, que se aplica no Brasil, o moral se sobrepõe ao patrimonial. Há exemplos previstos na LDA que podemos usar para demonstrar essa sobreposição:

1º) o direito do autor de retirar de circulação a obra ou de suspender qualquer forma de utilização já autorizada, quando implicarem afronta à sua reputação e imagem, desde que indenize as partes que venham a ser prejudicadas com isso (artigo 24, VI).

2º) a impossibilidade de transferência e renúncia do autor quanto aos seus direitos morais (artigo 27)

Vou gravar uma obra musical que já é de domínio público (DP). Preciso pedir autorização?

- Não.

Ao gravar uma versão uma obra musical de domínio público com um arranjo meu, viro autor dela?

Conforme informado acima, caso você tenha feito adaptação, tradução, arranjo ou orquestrado a obra em domínio público dando a ela originalidade, você terá direito de autor sobre essa obra, porém, na condição da sua atuação sobre ela e devendo sempre respeitar os direitos morais do(s) autor(es) da obra original, mencionando o nome dele(s), inclusive nos cadastros pertinentes.

Vou gravar uma obra musical que não é minha, mas não tenho intuito de lucrar com a exploração dessa gravação. Preciso pedir autorização para gravá-la?

Sim. Deve ser solicitada autorização mesmo que se trate de utilização sem fins lucrativos (ressalvando-se as limitações dos artigos 46 a 48 da LDA)

Essas são só algumas das diversas dúvidas que podem surgir nesse tema, que envolve inúmeras questões práticas que ocorrem no dia a dia da área musical. Esperamos que o texto possa ter contribuído para esclarecer os pontos abordados e auxiliar a solução de situações enfrentadas pelos profissionais da área.

Se você tem alguma outra dúvida ou precisa de alguma explicação mais específica, envie para a equipe do IMMUB ou por direct no nosso Instagram @nous.music.


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