“Passagem”, o manifesto pessoal de Lara Aufranc

Ela já transitou entre o soul e o blues, a bordo do grupo Lara e os Ultraleves, em 2013. Dois anos depois, em voo solo, variou entre o retrô e o contemporâneo, no álbum “Em boa hora”. Com o novo disco, “Passagem” (Matraca/YBMusic), ela revela-se como autora diversificada, em múltiplas parcerias e criação instrumental coletiva. A cantautora Lara Aufranc assina os arranjos e produção musical junto com o grupo básico que a acompanha, formado por Allen Alencar (guitarra, violão de aço e violão de 12 cordas), Daniel Doctors (baixo, percussões), Kim Jinkings (pianos, teclados, órgãos e sintetizadores) e Victor Bluhm (bateria e percussões).

“Não dá pra viver com medo da rua”, concita a feminista “Vem rodar”, entre guitarras circulares. Cevada por intervalos e órgão semovente, “Duas mulheres” contrasta a vida de uma dona de casa pobre (“Vai e volta de trem/ deixa a criança com a vizinha/ corre pra chegar/ a tempo de passar o café”) e outra de classe média (“a noite cai e a outra corre pra chegar/ academia/ e muita conta pra pagar o corpo da revista/ teme sempre a violência, onde vai parar?”). A superpopulação preocupa Laura, do rock da faixa título, encerrado em microfonia (“Onde vai toda essa gente/ todo dia de metrô/ onde vai / e o que é que quer?”) ao cadenciado de fundo ruidoso, “Tem gente demais” (“na terra não cabe mais nada/ tá tudo cercado por gente/ prédio, barraco, casa, condomínio”). Invadida por palmas no contraritmo e sons soturnos, “Trovoada” descreve: “Feito um barco a vela/ como um trem sem trilho/ parte sem destino o coração/ fere, rasga a tela/ despe sem pudor”. O rockão de abertura, de guitarras estertoradas, constata à la Drummond: “Tinha uma pedra no meu caminho/ e quando vi era eu”. Laura também revisita as raízes folclóricas de sua família argentina na canção em espanhol, “Llena de água”, com direito a pontuação de bumbo legüero.