Na Ponta do Disco

Que fim levou Lily Braun?

quinta, 14 de setembro de 2023

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Escrever sobre o álbum “O Grande Circo Místico”  é um desafio por si só e escrever nesse momento de recém efeméride dos 80 anos de Edu Lobo , só faz o desafio ser ainda maior. O desafio se apresenta pela densidade do álbum e, assim como a obra de Lobo, pelas muitas camadas poéticas e sonoras presentes. 

A primeira camada seria a camada histórica do próprio álbum, ou seja, sua concepção por Chico, Edu Lobo e Naum Alves de Souza em um contexto de um balé musical em 1982. Naum já tinha feito um ballet musical em parceria com Lobo. Seria a segunda parceria, a primeira, também um balé musical se chamava “Jogos de Dança” performada pelo Balé Teatro Guaíra dois anos antes. Assim Naum assina o roteiro do balé musical que irá inspirar Lobo e Chico.

Chico Buarque e Edu Lobo

Toda a obra é antes de tudo inspirada na obra poética simbolista de Jorge de Lima “O Grande Circo Místico” (In: “A Túnica Inconsútil” – Ed. Guanabara [1938]) que é um poema sintético, simbólico e uma metáfora da experiencia da própria transitoriedade da vida como um circo em constante movimento. 

É fato, já amplamente conhecido, que Chico Buarque carrega nas costas a verve poética das canções do álbum lançado em 1983. A poética de Chico de fato é absolutamente inspirada e criativa e no limite genial. Um misto da poesia de Jorge de Lima, sua própria poética e os poemas de Adélia Prado que eram livro de cabeceira de Chico. 

A equilibrista Agnes trapezista que casou com o filho do fundador do circo, Frederico Knieps, no poema de Lima, virou “Beatriz”, talvez uma das canções mais inspiradas, difundidas e regravadas do álbum. Quem nunca se emocionou ao ouvir os versos: “Olha.../ Será que é uma estrela/ Será que é mentira/ Será que é comedia/ Será que é divina a vida da atriz/ e se um dia ela despencar do sétimo céu.... 

Capa do álbum "O Grande Circo Místico"

Na canção voz, melodia e harmonia se plasmam a poética e é se torna impossível, como uma “febre sinestésica”, não “ver” na voz de Milton o fio tênue da “equilibrista-atriz” que por um triz nos palco e circos está no limiar do mundano e do sagrado. Talvez a verdadeira “túnica inconsútil” de fato seja a própria canção – pois não se vê as costuras e tudo parece feito como se sempre estivesse pronto de forma verdadeiramente inconsútil. Assim, Milton Nascimento é tão dono da canção como Chico e Edu – afinal é por sua interpretação que justamente temos uma canção que parece tão frágil e potente ao mesmo tempo. E tudo feito para de certa forma “entrarmos na vida” e na poética dessa personagem atriz-equilibrista. A canção, no fundo é toda construída para atingirmos num estado de encantamento como crianças que pela primeira se deparam no circo-teatro com a fragilidade daquela personagem nos holofotes. “Beatriz” é uma ode ao encantamento daquela que parece que “esta sempre por um triz”, mas que no fim transcende ao “sétimo céu” nas palmas e lagrimas da catarse do espetáculo. A própria Jane Duboc em depoimento afirma que chorou copiosamente ao ouvir a canção pela primeira vez. E com certeza ela não seria a última a fazê-lo. 

Chico Buarque em algum tipo de “transe inspiracional” criou a narrativa de cada um desses personagens que surgem no poema simbolista de Jorge de Lima. O compositor fazia as letras logo depois de receber os arranjos e melodias de Lobo (Ver: O Som do Vinil – O Grande Circo Místico disponível no YouTube). Entretanto, apesar das construções poéticas de Chico e dos arranjos e melodias impecáveis de Lobo, temos que dar credito a Chiquinho de Moraes que fez os arranjos orquestrais absolutamente geniais. 

Curiosamente, Lobo afirma em entrevista que ele sempre interfere nas letras das canções que faz em parceria, mas no caso da parceria com Chico Buarque, ele diz que “era impossível interferir nas letras, uma vez que não havia nada para alterar pois Chico era muito obsessivo e perfeccionista com suas letras”. Vemos isso ao longo de todo álbum de “Beatriz” até “Na Carreira”. 

E as escolhas pelos interpretes foram também as mais certeiras. Além de Milton para Beatriz como já comentamos, Jane Duboc para “A Valsa dos Clowns”, Simone em “Meu Namorado”, Tim Maia para “A Bela e a Fera”, Gilberto Gil para “Sobre Todas as Coisas” e Zizi Possi em “O Circo Místico”, foram todas escolhas mais que certeiras, mas que simplesmente “caíram como uma luva”.

No caso da ‘Bela e da Fera” a história do poema de Jorge de Lima se trata de um ato de violência sexual pelo homem-fera Rudolf do poema contra Margaret, a filha de Lily Braun. Desse ato de violência nascem as irmãs gêmeas levitadoras, mas a forma que Chico constrói (ou desconstrói) existencialmente tudo isso é sintetizado pela canção “Sobre Todas as Coisas” interpretada por Gil e que no fundo é um verdadeiro tratado sobre a “Bruta Flor” do Desejo como irá cantar Caetano Veloso

Mas com todas essas observações sobre a genialidade e profundidade desse álbum, onde está nossa querida Lily Braun, personagem/ canção interpretadas maravilhosamente por Gal Costa. Mas que fim levou ela?

Respeitável Público, isso fica para o ato 2 do nosso Grande Circo Místico!


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