Rolê Musical

Quinteto Violado chega aos 50 anos fiel às suas origens populares

sexta, 05 de novembro de 2021

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No dia 26 de junho de 1972, a boate carioca Monsieur Pujol, em Ipanema,  esteve apinhada de celebridades. Nenhuma novidade nisto. Afinal a Monsieur Pujol pertencia a dupla Miéle & Bôscoli, que produzia o primeiro show “adulto” de Roberto Carlos no Canecão. Mas aconteceu uma grande novidade nesta noitada na casa noturna, que trouxe para ali, não apenas socialites, mas nomes ligados à várias vertentes da música como os compositores Roberto Menescal, Braguinha e Humberto Teixeira, o chefão da gravadora Phillips André Midani, os radialistas Big Boy e Ademir, Mister Eco, jornalista e jurado do programa Flávio Cavalcanti, e muita gente da imprensa. O motivo da festa: o lançamento do disco de estreia de um ilustre desconhecido grupo pernambucano, um certo Quinteto Violado. Com pouquíssimas exceções, ninguém entre eles tinha ainda ouvido a música do QV.

Até então nenhum conjunto (como então se chamavam bandas), havia chegado ao LP, sem música gravada, ou sem passar pelo estágio probatório do compacto simples. E mais: o LP Quinteto Violado  recebeu da Phillips um investimento para divulgação pouco comum no Brasil. Dali a uma semana o QV lançaria o álbum no Dimonico, outra badalado ponto da época, em São Paulo, também com a presença do grand monde da Paulicéia, e convidados de outros estados.

Fonte da imagem: Internet/Reprodução

Toinho Alves (baixista), Luciano Pimentel (bateria e percussão), Marcelo Melo (violão), Fernando Filizola (violão, viola, sanfona), e Sando Johnson (flauta, zabumba) tornaram-se Quinteto Violado apenas oito meses antes. Com exceção do flautista, eram músicos calejados, apesar da pouca idade. O mais velho era Luciano Pimentel, com 32 anos, o mais jovem o garoto prodígio flautista, de apenas 13 anos, os demais estavam nos seus e poucos anos.  Começaram em meados dos anos 60. Toinho Alves e Marcelo Melo foram integrantes do Bossa Norte, grupo de samba jazz. Marcelo integrou o grupo Construção, um coletivo que montara espetáculos tendo como base a cultura popular (dele fazia parte Teca Calazans, e Naná Vasconcelos, que foi baterista do Bossa Norte), Fernando Filizola foi guitarrista do Silver Jets, o mais famoso grupo da Jovem Guarda pernambucana (cujo vocalista era Reginaldo Rossi), Luciano Pimentel tocou na banda municipal e em vários grupos de samba jazz. Generino Luna, o flautista que tocou no show de estreia do grupo, ainda sem nome, também era outro tarimbado músico desta cena.

Parte do QV trabalhava na recém-nascida TV Universitária, criada como emissora modelo, com seu próprio grupo musical. TVU-3, (Toinho Alves, Luciano Pimentel e Sérgio Kyrilos). Marcelo Melo, formado em agronomia, voltava de um mestrado na Bélgica, com uma passagem pela França, onde participou da gravação do LP Das terras do bemvirá, último disco de Geraldo Vandré. Fernando Filizola, entre outras virações, era produtor da TV-U. Passaram a “tirar um som” juntos, até que Zé Pimentel, da TV-U, sugeriu a Plínio Pacheco que eles tocassem no I Festival de Verão de Fazenda Nova, no Teatro de Nova Jerusalém, antes da peça, dirigida por ele, Calígula, de Albert Camus. No dia 9 de outubro de 1971, o grupo fez sua primeira apresentação em público. O jornalista José Mário Austregésilo, que apresentou o grupo no palco recorda: “Eu estava em Fazenda Nova com o ator de Calígula. Fiz a apresentação do Quinteto, mas não foi assim um show comum, em palco. Eles tocaram em cima de uma grande pedra, para um público pequeno, atores, pessoas que trabalhavam na peça”. 

Quando terminaram o show, os cinco músicos, de instrumentos na mão, foram vistos por um bando de garotos que brincava ali perto, um deles gritou para os amigos: “Lá vem os violados!”. Eles gostaram do “violados”, e surgiu daí o nome Quinteto Violado. Pouco tempo depois, Generino deixou o grupo e foi convidado Alexander Johnson, ou Sando, que tocou na sinfônica, e participou da nascente Orquestra Armorial, sob a batuta de Cussy de Almeida. Talento precoce da flauta, Sando vinha de uma família de músicos (neto por parte de mãe do inglês Jones Johnson, um dos pioneiros do frevo) : 

“Quando me chamaram para tomar parte num conjunto nordestino, logo imaginei uma sanfona, um gibão e um chapéu de couro. De início não quis aceitar, porque não sabia o que iria fazer, neste meio, com a minha flauta. Quando vi a coisa de perto, descobri que não era nada disso, e larguei de lado Cat Stevens, James Brown, e toda minha formação de música americana, para me dedicar de corpo e alma ao trabalho” conta Sando, que saiu do grupo em 1975, para se dedicar a música erudita em Natal, na Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Até hoje mora na capital potiguar.

Fonte da imagem: Internet/Reprodução

De imediato o Quinteto Violado recebeu o apoio do escritor Hermilo Borba Filho, que o indicaria, para um projeto sobre música nordestina, a Aluizio Falcão, um pernambucano, da agência Marcus Pereira. O publicitário Marcus Pereira costumava fazer edições especiais de discos para distribuir como brinde aos clientes. Ele passou a história da MPB como o empreendedor que mapeou a música popular de todas as regiões do Brasil, numa das mais importantes série da discografia nacional. No entanto, os louros do projeto pertencem a Aluízio Falcão. Ele foi do jornal Ultima Hora pernambucano, assessor especial de Miguel Arraes, em seu primeiro mandato, e um dos fundadores do Movimento de Cultura Popular. Dificilmente o paulista Marcus Pereira teria o mesmo conhecimento que Falcão do filão inexplorado que era a música de cultura popular do Nordeste. O disco com a Marcus Pereira iria brindar seus clientes em 1972, foi o álbum duplo A Música Popular do Nordeste, e a empreitada seria entregue ao Quinteto Violado, com Hermilo e Aluízio contribuindo com as pesquisas. O Quinteto caiu em campo já sabendo onde buscar o que desejava. Foi um disco que mexeu não apenas com a indústria fonográfica (que raramente se preocupou com tal tipo de música), mas também com a cabeça de toda uma geração que, pela primeira vez, teve acesso a cantadores de viola, emboladores, cirandas,  frevos (o grupo também participa do disco, com a cantora Zélia Barbosa).

Música Popular do Nordeste foi tão bem recebido pela crítica, com tantas premiações, que  Marcus Pereira decidiu mudar de ramo. Fechou a agência e abriu uma gravadora. A série iria mapear o Norte, o Sul e o Centro-Oeste, e daria a MPB vários álbuns antológicos, até Marcus Pereira cometer o suicídio em fevereiro de 1981, por problemas pessoais.

O trabalho para a Marcus Pereira carimbaria o passaporte do Quinteto Violado para o reconhecimento entre os especialistas da MPB (o disco somente seria comercializado em 1973). Porém, fundamental para o sucesso do grupo  foi a volta de Gilberto Gil da temporada  forçada na Inglaterra, que durou de 1969, a 1971. O primeiro show de Gil no Brasil aconteceu no Teatro do Parque, no Recife, cidade onde realizou a primeira temporada do seu disco de estréia, Louvação, em 1966. Gil passou mais de um mês na cidade, foi levado para conhecer manifestações da cultura popular, na zona da mata, e em Caruaru (de volta para São Paulo, ele começou a idealizar o que seria batizado de tropicalismo). Um dos músicos que o acompanhou na temporada que realizou no TPN, foi o baterista Luciano Pimentel.

Quando Gil veio para o show do teatro do Parque conheceu o som do quinteto, e passou a divulgá-lo em entrevistas. Caetano Veloso nunca ouvira o Quinteto Violado, mas numa extensa entrevista à badalada revista carioca O Bondinho, ele declarou: “...No Recife Gil viu coisas incríveis. Um grupo chamado Quinteto Violado, ou Quarteto Violado, não sei, que é um coisa extraordinária”. Foi a senha para a Phillips assinar com o grupo, instado pelo produtor baiano Roberto Santana, que acompanhou Gil na sua primeira passagem pelo Recife, e estava com ele em 1972, no show da volta. Baiano de Irará, cidade natal de Tom Zé (de quem é primo), Roberto Santana comandava as ações da Phillips na região Norte/Nordeste, e seria o produtor do Quinteto Violado. Até mais do que isso, já que também compunha, e escreveu textos para shows.

A Phillips não teve do que se arrepender pelo que gastou na promoção do QV. O disco teve tiragem rapidamente esgotada, a crítica foi quase unânime nos elogios. De um grupo que fazia shows em casas de mecenas no Recife, a fim de amealhar dinheiro para viajar para o Sudeste, numa das maiores atrações da MPB. Nisto sua historia assemelha-se muito a do grupo Chico Science & Nação Zumbi. Ambos pousaram no “Sul Maravilha” como Óvnis. Se o maracatu atômico de CSNZ era uma incógnita até para Liminha, produtor de Da lama ao Caos (1974),  o que o QV trazia em seu matolão também não era menos estranho. Música de cavalo marinho, ciranda, embolada, repente, frevos.  Assim como Science, o Quinteto Violado contribuiu para esta música ser incorporada ao idioma da MPB, e ser cantada do Oiapoque ao Chuí. Gerou, por sinal, outra semelhança com o Chico Science & Nação Zumbi, um interesse de músicos jovens pelas suas manifestações populares, levando a surgir grupos assemelhados Brasil afora, feito o Bolo de Feira, em Aracaju.   

O que estourou nacionalmente, no entanto, foi um arranjo com toques jazzísticos da ene vezes gravada Asa branca (de Luiz Gonzaga/Humberto Teixeira), até hoje a assinatura do QV. Coincidentemente, em 1972, Luiz Gonzaga voltava para curtir, num show  histórico no Teatro Tereza Raquel no Rio, que o aproximou da juventude universitária. Luiz Gonzaga aproximou-se deles. Em 1973, o QV e Gonzagão viajaram pelo país no projeto Circuito Universitário. Com eles viajava Dominguinhos, que começava a ser conhecido, por ter participado do show Luiz Gonzaga volta pra curtir, e ser autor, com Anastácia, do maior sucesso popular de Gilberto Gil, Só quero um xodó. Com eles ia também Gonzaguinha, ainda chamado de Gonzaga Jr. Num conturbado início de reaproximação com o pai adotivo. 

Berra boi (1973), A feira (1974, de que fez parte a então desconhecida paraibana Elba Ramalho, e Folguedo (1975) foram os discos que demarcaram o espaço do QV na MPB, que tornaram facilmente identificáveis gêneros musicais até então restritos aos músicos do povo que o faziam. Depois do Folguedo aconteceu uma mudança no grupo, com a saída de Sando e a entrada de Zé da Flauta.


Em 1974, o grupo comprou um ônibus no qual passou a viajar pelo país. Entre 1974 e 1983, contabilizou o recorde de 1 milhão de quilômetros rodados (mudando de veículo, naturalmente). A compra deste ônibus foi bastante comentada na época. O QV foi o primeiro grupo musical brasileiro a viajar em seu próprio ônibus. Mas o QV foi pioneiro em alterar as regras do show business. Foi, por exemplo, o primeiro grupo musical que nasceu como empresa, era pessoa jurídica, cada integrante com direito a uma cota. Pioneiro também em criar uma fundação. Outros artistas antes do QV fizeram shows e turnês patrocinados por empresas privadas, feito Luiz Gonzaga, cujo nome por muito tempo foi relacionado ao do Colírio Moura Brasil. O Quinteto por quase dez anos manteve uma relação com o Banco Nacional do Norte, o Banorte, que lhe rendeu críticas de puristas, ente estes o crítico José Ramos Tinhorão, por estampar na contracapa de um disco, o logo do banco.

O QV viajou pelo Brasil, fazendo concertos, gratuitos, ou beneficentes, tanto em teatro quanto em praça pública. O grupo batalhava em diversas frentes. Foi um dos responsáveis pela revitalização do carnaval de rua do Recife, com o Bloco Azul, que saia pelas duas cidades, em um caminhão, levando o grupo e uma orquestra de frevos, arrastando uma multidão de foliões pelas ruas da capital pernambucana.

O grupo era irrequieto, e não se ateve a apenas a retrabalhar o folclore nordestino em geral, e pernambucano em particular. Reproduziu em disco uma versão da Missa do Vaqueiro, um evento relativamente novo (começou em julho de 1970), inspirada na morte do vaqueiro Raimundo Jacó (primo de Luiz Gonzaga), assassinado em 1954. A missa continua sendo realizada anualmente, em Serrita, no alto sertão do estado. Num Convenio com a secretaria de educação de PE, criaram as chamadas aulas-espetáculo, depois ministradas pelo Brasil, em parceria com a Funarte,. Sem concessões ao mercado, em 1978, arquitetou o disco conceitual Até a Amazônia, baseado na saga do lendário repentista Pinto do Monteiro que, nos anos 40, trocou o sertão pernambucano, pela selva amazônica, onde foi trabalhar como seringueiro. Seria o último álbum de inéditas na Phillips. O QV sairia da gravadora depois do álbum Antologia do Baião, lançado no ano seguinte. O quinteto foi adaptando-se aos tempos, lançando disco ora independente, ora atrelado a uma gravadora. Mas sem parar de circular pelo Brasil e exterior. As turnês internacionais foram iniciadas no início da carreira, inclusive gravando discos na Alemanha, Portugal e Cabo Verde. 

Zé da Flauta saiu do grupo em 1981, para entrada de Ciano Alves. Em 1983, foi a vez do baterista Luciano Pimentel, que foi substituído por um breve tempo pelo ex-Ave Sangria Israel Semente, cuja vaga foi assumida pelo mineiro Márcio Batista, que saiu em 1985, para entrada do cearense Kiko que ficaria no grupo de 1985 a 89. O baterista e percussionista Roberto Medeiro entraria no lugar de Kiko. Dudu Alves, filho do contrabaixista Toinho Alves, entrou para o grupo em 1991, e com ele a introdução de um teclado no som dos violados. O quinteto manteria a formação estável até 2008, quando o baixista Toinha Alves, faleceu em consequência de um infarto, em maio de 2008. Em seu lugar, entrou o músico Thiago Fournier, que sairia para entrada de Sandro Lins.

Marcelo Melo, Ciano Alves, Roberto Medeiros, Dudu Alves e Sandro Lins, com esta formação o Quinteto Violado celebrou os 50 anos, com um show especial de aniversário, realizado em 20 de outubro, no vetusto Teatro de Santa Isabel no Recife, com lotação limitada a 200 convidados.


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