Colunista Convidado

Resenha: 'Sobrevivendo No Inferno' (1997)

Uma das obras-primas da música popular brasileira

segunda, 15 de março de 2021

Compartilhar:

Uma pena - definitivamente uma pena - que Racionais MC´s não estejam na mesma prateleira de Geraldo Vandré, Legião Urbana, Os Paralamas do Sucesso ou Chico Buarque. Mas a sua obra não deixa a desejar, e "Sobrevivendo no Inferno" é uma prova de que a crônica sobre o cotidiano está presente mais do que nunca na música popular. Estas canções poderiam ter sido notícias de jornal, ou mesmo uma coluna de qualquer sociólogo.

O álbum traz a palavra “crônica” bem na sua essência, no sentido de relatar acontecimentos cotidianos. Para ilustrar bem, pense em “Tô ouvindo alguém me chamar”, na qual um “mano” narra sua trajetória desde a entrada no mundo do crime até sua morte. Não é exagero dizer que nos sentimos na pele do personagem. E cada crime, cada assassinato parece ter sido praticado ou presenciado por quem ouve a canção. Todas as angústias, mágoas e arrependimentos parecem fazer parte de nós. Para demonstrar o que eu disse, aqui vão alguns versos: Algum dinheiro resolvia o meu problema/O que eu ‘tô fazendo aqui?/Meu tênis sujo de sangue, aquele cara no chão/Uma criança chorando e eu com um revolver na mão/Eu era um quadro do terror, e eu que fui ao autor”.


"Sobrevivendo no Inferno" possui um realismo sofisticado e ao mesmo tempo simples. Tal qual o filme “Cidade de Deus”, a atmosfera é pesada e soturna, mas a forma com que a história é contada dá outra cara à narrativa. No nosso dia a dia, a gente vê um crime, mas nunca imagina como é estar na pele de quem o cometeu. A gente enxerga a periferia, mas não imagina como é viver dentro dela. Longe de glamorizar a vida de gangster, traficante ou ladrão, o álbum mostra que há um ser humano por trás da arma, e que a vivência no mundo do crime pode ser bastante difícil. Afinal, há vida onde se pensa que há somente números.

E por falar em números, vamos a um conto que aborda os últimos dias de um detento no Carandiru, a música "Diário de um detento". Se o restante do álbum trata do crime nas ruas, aqui acompanhamos a tensão na prisão pouco antes do massacre do Carandiru. Mesmo que eu soubesse explicar esta canção, nada do que eu dissesse faria sentido. Esta música é algo muito particular, só quem ouve consegue sentir ou decifrá-la.


As últimas músicas do álbum levantam um pouco mais o astral, seja na busca pela paz em “Mágico de OZ” (que conta com um excelente trabalho de backing vocal) ou em “Fórmula mágica da Paz”. Mas “Qual mentira vou acreditar” consegue ser a faixa mais alegre ou menos soturna do álbum.


Em geral, este é um disco que vale a pena ser ouvido em qualquer tempo, seja para lembrar o que fomos ou  para saber o que somos. As letras são o carro chefe, embora todos os samples e bases tenham sido realizados com maestria, além dos vocais bem afiados. Com muita razão, este trabalho hoje em dia está em muitas listas de “melhores álbuns de todos os tempos”.

João Gabriel 

Comentários

Divulgue seu lançamento