Um papo com o Cazes

Rildo Hora & Geraldo Vespar: os maestros do samba

quarta, 20 de janeiro de 2021

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Na primeira metade da década de 1970, a gravação de samba passou por uma transformação técnica radical. A utilização de gravadores com 8, 16 e depois 24 canais, trouxe novas possibilidades sonoras e criativas. A base harmônica que durante quatro décadas tinha se mantido com o chamado conjunto regional, se diversificou e a percussão, chamada antes de “cozinha”, pois ficava lá atrás, ganhou nitidez. Mas para aproveitar essas novas possibilidades era necessário o trabalho de arranjadores que aliassem conhecimento musical com a habilidade de lidar com os músicos de samba. Esses músicos, quase sempre não possuíam instrução musical formal, mas eram capazes de, além de dominar os códigos do gênero, propor soluções criativas. E foi nessa função de mediadores, entre mundos, entre culturas, que brilharam intensamente os maestros Rildo Hora (Caruaru, PE, 1939) e Geraldo Vespar (Quixadá, CE, 1937).

Geraldo cresceu em Goiânia, onde ainda adolescente foi tocar no conjunto de seu professor, o saxofonista Geraldo Amaral, antes de chegar ao Rio, em 1959. Rildo veio para Madureira ainda garoto e tocando gaita e violão, começou cedo a circular pelos programas de calouros. Ambos começaram no cavaquinho, mas foi com a guitarra elétrica que ganharam a vida nas boates dos anos 1960. Rildo estudou música com Guerra-Peixe, Geraldo teve uma formação mais acadêmica, passando pela Escola de Música da UFRJ e depois se pós-graduando nos Estados Unidos. Fora da Universidade, foi aluno de Moacir Santos e gravou o lendário LP “Coisas”, de 1965. Os dois são solistas e improvisadores em seus instrumentos.

Até hoje me recordo do impacto que foi o lançamento do LP “Canta, canta minha gente” de Martinho da Vila, em 1974. A base, antes linear, ganhou dinâmica e diversidade de timbres. A percussão se modificava a cada momento, num resultado contagiante. Na entrevista que fiz com Rildo em 2016, ele contou como surgiu a ideia de explorar essa dinâmica.

– O Guerra-Peixe ensinou pra gente que a música tem o início, vai, cresce, tem o ponto culminante, a tensão máxima, onde a música fica com mais força. Esse ponto culminante deve ser em 2/3 da música. Depois afrouxa outra vez e sobe para fechar. Essas dinâmicas eu comecei a usar no samba com os revezamentos de instrumentos, mas foi a partir das ideias do Guerra.

Ao ouvirmos as gravações de João Nogueira, Clara Nunes ou Roberto Ribeiro com arranjos de Vespar, chama a atenção o perfeito acabamento, a harmonia bem elaborada, mas executada com toda fluência. Essa capacidade de dialogar em estúdio, extraindo soluções criativas de músicos intuitivos é algo que sempre tive curiosidade de entender e perguntei para Geraldo, que me disse:

–  Quando o músico tem uma essência musical forte, o tocar dele já projeta coisas no ar que chamam a sua atenção. Tem um grupo de pessoas tocando, dentro daquele grupo tem um que parece estar mais integrado com a música. A gente ia pro estúdio, começava a passar e no momento do ensaio você detectava onde estava aquele núcleo em que a música estava mais centrada.

Essa capacidade de dialogar com o mundo do samba, muitas vezes abrindo mão de suas concepções originais para aderir a sugestões trazidas espontaneamente pelos músicos, pode parecer simples, mas foi justamente o que fez com que esses geniais mediadores estabelecessem a ponte entre o conhecimento e a intuição, realizando uma obra que marcou definitivamente o produto cultural “gravação de samba”. 

E os dois maestros seguem produzindo com mais de 80 anos, tendo boas ideias e escrevendo música no computador. Vespar lançou uma riquíssima coleção de “20 Estudo Populares Brasileiros para Violão”, gravados por Paulo Marttelli. Rildo nos promete para breve, um álbum inteiro para gaita e quarteto de cordas. 

Este texto é uma singela homenagem a dois gigantes, dois mediadores que fizeram a diferença, dois trabalhadores da música com quem tive o prazer e a honra de trabalhar e conviver. Vida longa para Rildo Hora e Geraldo Vespar, os grandes maestros o samba!


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