Amigo ao Peito

Sobre Fred Schneiter

segunda, 17 de setembro de 2018

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Em outubro, na Sala Guiomar Novaes, no Rio de Janeiro, acontecerá a 15ª Mostra Fred Schneiter. Festival anual, organizado por seu antigo colega de duo Luis Carlos Barbieri, saúda a memória do querido violonista, compositor, artista plástico, poeta e fotógrafo, precocemente falecido.

Apesar do nome prussiano, Friedrich Schneiter era um baiano gozador e divertido. Vivia pegando no pé dos colegas. Uma vez anunciou que faria um arranjo especialmente para um amigo. Entregou a partitura muito bem acabada, mas em branco. Era um arranjo de 4:33*... 

Nas viagens com seu eterno companheiro Barbieri, as histórias se sucediam. Chegaram para tocar, havia três cadeiras no palco. A faixa na parede não deixava dúvidas: Duo Barbieri Schneiter

– Prazer, Barbieri; esse é o Fred Schneiter. 

– Prazer. E o Duo, não veio?

E não foi o único, outro produtor só chamava Fred de Duo...

Em outra, o descontrolado Fred foi a uma cidade famosa pelas tapeçarias e afins, decidido a não gastar dinheiro (que, aliás, nem tinha). Mas via uma cortina, e era quase de graça; via uns panos, e “esse preço não paga nem a linha”. Saiu abarrotado de coisas, e reclamando:

– Barbieri, eu comprei um jogo americano e nem tenho mesa em casa!

Estava trabalhando com o parceiro um recital apenas com obras de Chico Buarque. Passaram a tarde do dia anterior à sua morte ensaiando a peça “Mil Perdões”. Barbieri acha significativo: 

– A gente sempre tem algo a perdoar ou a ser perdoado. Seria um dia como outro qualquer, ele foi dormir depois de muito ensaio. Às vezes eu chegava lá, ele ainda estava dormindo, eu fazia um café... Só que nesse dia ele simplesmente não levantou da cama.

Fred nos deixou, nessa vida, no dia 5 de maio de 2001.

Deixou a vida, mas também nos deixou um belo legado. O pessoal do violão conhece bem, mas o grande público talvez não. Aqui um link do Duo, com ele anunciando sua peça “Seu Vicente”:



Agora, Luis Carlos Barbieri tocando uma de suas composições mais conhecidas, Suíte Baiana Nº1:



Humberto Amorim tocando os “Estudos Oblíquos”:



Fred, por conta do carinho que sempre despertou nos amigos, foi alvo de diversas homenagens de outros colegas músicos.

Aqui, Paulo Pedrassoli tocando a “Passacaglia para Fred Schneiter”, de Edino Krieger:



Vicente Paschoal tocando a Dedicatoria 3 – Nordestina, Homenagem a Fred Schneiter:



Por uma dessas coincidências da vida, na semana em que escrevo este artigo o compositor Roberto Velasco, amigo de Fred de longuíssima data, me procurou sugerindo que eu letrasse uma música que ele havia feito para o amigo. Não consegui de cara, mas ao tentar acabei escrevendo um poema. Velasco, com a competência de quem sabe, imediatamente deu um jeito e saiu essa canção:




Termino, então, com a letra dela. Abração, Fred!


Mar

Oxum chamou esse filho seu
para ir saudar mãe Yemanjá
saiu daqui cedinho
pra não se atrasar
que baiano é fogo
Adora ver um mar
pra se encantar 
e se assuntar 
um assunto comprido
como a linha d’água
que vai pra lá, e vem pra cá
e o filho ido
muito esquecido
acabou ficando, só apreciando.
Se de repente
o seu pé não sente
o gelado vivo de Yemanjá…
sinal que ele
já não pisa areia
já não se norteia
pelo chão daqui…
mar pra se encantar
e se assuntar 
mar pra se encantar 
mar pra se assuntar
um assunto comprido
como a linha d’água
que vai pra lá, e vem pra cá
Já não bateia
pedra preciosa
e já nem pleiteia
uma manga rosa 
pra se lambuzar…




*4:33, para quem não sabe, é uma música do compositor americano John Cage onde o executante não toca nenhuma nota durante 4 minutos e 33 segundos.


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