Coisas Nossas

Um animal no choro

segunda, 25 de novembro de 2019

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Chorão carioca (com pinta de comendador lusitano), alto, de cabelo grisalho e pele avermelhada, o presidente do Pragas do Egito, Alexandre Gonçalves Pinto, gostava de um pagode. Onde houvesse boa música, bebida e comida à vontade, ele se empanturrava. Podia ser em batizados, aniversários, casamentos, festas de Reis, São João, São Pedro e Santo Antonio. Não importava o local. Podia ser no Catumbi, que “abrigava os maiores valentões da época”, no Santo Cristo, Saúde, Gamboa, Tijuca e Cidade Nova onde “sempre apareciam os poetas, que variavam as festas com recitativos”, como ele próprio dizia. Alexandre tinha um método interessante para saber se a festa era boa: dava um pulinho na cozinha do anfitrião para verificar se tinha “pirão” ou se “o gato dormia no forno”. Expressões que simbolizavam, respectivamente, fartura ou miséria nas festas. Caso não tivesse comida na casa, ele ia embora, ou “dava o fora”, como diziam. Alexandre, o “Animal”, como ficou conhecido, bebia umas e outras nos botequins do Cancella, no Catete, e no Braço de Ouro, no Engenho Velho, ou na Confeitaria do Bandeira, no Andaraí. Gostava também de tomar generosas canecas de vinho do Porto. Aliás, o Brasil daquela época era um dos maiores importadores deste “vinho fortificado”, como era chamado. Nas festas, Alexandre “arranhava” seu cavaquinho ao lado de flautistas como Soares, apelidado de “Caixa de Fósforos”, Arthur “Vira Bonde” e de Leopoldo “Pé de Mesa”. Em 1936, o carteiro Alexandre Gonçalves Pinto, o tal Animal, lançaria O Choro: reminiscências dos chorões antigos, livro fundamental sobre a música popular carioca. Nele, ao lado de deliciosas histórias da música popular carioca em seus primórdios, encontrava-se o mais completo inventário dos músicos de choro da segunda metade do século XIX ao início do século XX.

Ele relata, por exemplo, que o flautista "Callado, tornou-se um deus para todos que tinham a felicidade de ouvi-lo”, e que o pianista Ernesto Nazareth era “músico de primeira água, foi brilhante sem jaça” - uma metáfora que significava um diamante especial, sem manchas, perfeito. O livro fala ainda de um certo Alfredo Vianna, que “tocava de primeira vista na sua flauta amarela de cinco chaves”; quer dizer, que lia as partituras com facilidade e tocava em uma flauta antiga, chave aberta, “modelo francês”. Este mesmo Alfredo era quem dava as cartas na “Pensão Vianna”, um casarão no Catumbi, onde a turma da boemia varava a madrugada em reuniões musicais regadas a muita bebida. Por tal “pensão” passava e “caía” de tanto beber, uma penca de instrumentistas famosos.

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