As Canções que Você Fez pra Mim

Vem pro Bola, meu bem: 105 anos

quinta, 14 de dezembro de 2023

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O balacobaco de 2012 é um marco na história do Cordão da Bola Preta. O Cordão entupiu a Avenida Rio Branco, desfilando em sentido inverso da Candelária — como ponto de partida até a Cinelândia —, com mais de 2,2 milhões de foliões. E isso, é bom que se diga, segundo os cálculos da polícia militar que, aqui entre nós, geralmente joga para baixo o número de brincantes. Os organizadores do babado e os mais otimistas apontaram 2,5 milhões de pessoas. Pois bem: nesse ano, o Bola disputou cabeça a cabeça, folião por folião, com o recifense Galo da Madrugada, o título de maior bloco do mundo. Até mesmo o mais histórico e tímido dos foliões, vesgo de cerveja, cachaça e o diabo, dava pulos de meio metro ao som da Banda do Bola Preta. O desfile contou com dois detalhes para lá de inusitados: cinco trios elétricos (à moda do carnaval baiano) e um enredo na melhor tradição das grandes sociedades e escolas de samba, ‘O Bola é nosso e o petróleo também’. Mas o hino do Cordão, “Segura a Chupeta”, de Nelson Barbosa e Vicente Paiva, continuava tinindo nas vozes da rua: 


Quem não chora não mama!

Segura, meu bem, a chupeta

Lugar quente é na cama

Ou então no Bola Preta


Vem pro Bola, meu bem

Com alegria infernal!

Todos são de coração!

Todos são de coração

(Foliões do carnaval)

(Sensacional!) 


O Cordão da Bola Preta chegava ao auge da forma, mesmo administrando a ressaca por perder, em 2008, sua suntuosa sede na Rua 13 de Maio, resultado de uma dívida obscena, intransponível e impagável. Curiosamente, e veremos isso “mais prafentemente”, o Bola Preta é uma espécie de Viúva Porcina dos Cordões carnavalescos — aquela que foi sem nunca ter sido. Explicamos: o Cordão sempre foi um clube, mas em um determinado momento se converteu em bloco. Até a década de 1930, o Bola Preta não desfilava durante o período de Momo. Por anos, “a tal alegria infernal” do Bola desfilou nas noites de São Silvestre, dias antes do Carnaval, ou ficava confinada em seus salões. Depois da década de 1930, o Bola passou a encher as ruas do centro do Rio de Janeiro com seus foliões. Mesmo assim, nos anos de 1970, o Bafo de Onça e o Cacique de Ramos levavam mais suçuaranas e silvícolas peles vermelhas (que pareciam ter saído de uma fita de Tom Mix), às ruas do Rio do que o Bola Preta. Não é difícil imaginar que quando o Bola surgiu, em 1918, havia apenas meia dúzia de gatos-pingados encabeçando o cordão. Disse 1918 e faça as contas. Isso mesmo, o Bola é centenário. Em 105 anos de existência que foram completados no dia 31 de dezembro de 2023, o Cordão não só ganhou as ruas, como também virou o queridinho das agremiações da cidade do Rio, uma referência para outros blocos e cordões, agregando em seus desfiles pessoas da zona sul, norte, oeste, subúrbios e de cidades que compõem o arco metropolitano do Rio de Janeiro. 


O Bola ou a Bola Preta? 


Em 1918, o brasileiro ainda tinha febres hediondas com a Gripe Espanhola. A cidade parecia um verdadeiro deserto, sem um mísero camelo, sem uma única miragem. No Rio de Janeiro, cantaram para subir, segundo estimativas, 15 mil pessoas. Gripe extremamente democrática, vitimando até mesmo o presidente da República, Rodrigues Alves. Os médicos prescreviam limão, canela e canja de galinha. Data também desse período um dos maiores símbolos do carnaval carioca, a tal da bola preta. Segundo um relato de Chico Brício, um dos fundadores do Bola Preta e exímio frequentador da Praia das Virtudes, a história é mais ou menos assim: “‘K. Veirinha’ brincava ali pela Glória quando surgiu uma garota infernal. Uma colombina com um vestido de bolas pretas. Do nada a pequena sumiu, escafedeu-se. E o pior, sem se identificar. K. Veirinha, auxiliado por um primo ou um tio, começou a buscá-la entre os foliões. Como explicação dizia: ‘É uma colombina de bola preta’. E foi daí, concluiu Brício, que se tirou o nome Bola Preta para o nosso cordão”. Entretanto, outros relatos dão conta de que a moça com vestido de bolinhas pretas passou pela calçada do Bar Nacional, na Galeria Cruzeiro, em 31 de dezembro de 1918. Sentou na mesa, bebericou umas e comeu uns acepipes da maior responsabilidade completamente sozinha. Isso teria acontecido na cidade. Já o depoimento de Álvaro Gomes de Oliveira, o K. Veirinha, ao MIS-RJ, em 1970, relata outra versão: “Isso foi [da moça de bolas pretas] uma coisa idealizada pelo Jamanta [um dos fundadores do Bola Preta] para justificar a fundação do Cordão.” Mas o nome do bloco surgiu por outro motivo: 


“Se originou em razão da condição que eram submetidos os aspirantes ao serem propostos para o grupo, pois, sendo esse inteiramente fechado, não se admitia novo componente sem que houvesse unanimidade na aceitação. A votação era feita em escrutínio secreto, através de bolas pretas e brancas, bastando apenas uma bola branca para impedir a entrada do novo elemento. Da exigência da unanimidade, surgiu o nome que perdura até hoje”. 


O próprio Chico Brício teria uma outra história para tal bola preta. É que o grupo se reunia no Largo da Glória em um bar nos fundos de uma venda. Lá pelas tantas, aparecia uma roleta e uma francesa tocando piano e dançando. O bar era um ponto de encontro para finalizar a noite. Lá tinha uma bagatela, um milhar inclinado, cheio de pregos e com bolas brancas e pretas. Brício, campeão de remo, soltou uma nova definição para o nome do bloco: “A gente só jogava na bola preta [pagava dobrado]. O José Luiz Cordeiro, o Jamanta [funcionário da polícia], pegou um saco de aniagem e escreveu Cordão da Bola Preta e fez uma bola avermelhada”. Mesmo que a versão mais glamourosa da história do nome esteja relacionada ao da moça de parar o comércio com seu vestido de bola preta, ancorado nos depoimentos acima, é mais provável que o nome tenha origem na condição a que eram submetidos os aspirantes a entrar no Cordão, escolhidos por bolas brancas ou pretas

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