Música

Vicente Celestino, 50 anos de Saudade

quinta, 23 de agosto de 2018

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Vicente foi um ser “celestino”, nascido no “paraíso”. Assim poderia ser o início da biografia do grande cantor brasileiro, uma enorme figura humana, cujas ideias nacionalistas muito me lembram as de outro grande brasileiro: o escritor Ariano Suassuna.

Vicente era fumante inveterado, porém se negava a fumar os cigarros de marca importada. Os preferidos eram os feitos por ele próprio ou, então, os da marca “Minister”. Costumava segurar o cigarro entre o dedo mínimo e o anular da mão direita enquanto dedilhava o violão.

Antônio Vicente Filippe Celestino nasceu na Rua do Paraíso, Bairro de Santa Tereza, na “Cidade Maravilhosa” num dia 12 de setembro, eis porque, no início, eu disse: um celestino do paraíso.

Quem provou da intimidade de Vicente Celestino, conheceu sem dúvida um coração muitas vezes maior do que o próprio corpo... Conheci o “celestino” Vicente. A primeira vez que o vi e ouvi, foi quando assisti, no antigo “Cine Roma”, aqui em Salvador, ao filme “O Ébrio”. A partir daí, queria saber tudo sobre o casal Vicente Celestino e Gilda Abreu... Até que o conheci pessoalmente, aqui na Bahia e, após sua morte, tornei-me amigo de Gilda que carinhosamente me chamava de “meu filho mouro”, por causa da minha ascendência espanhola e do meu gênio explosivo. Pude, então, saber muito mais sobre o casal, porque Gilda me permitiu, numa prova de extrema confiança, que eu lesse o seu diário.

Muitas vezes, Vicente cantou nos circos de periferia do Rio de Janeiro, sem receber um centavo, pois o cachê era doado para os artistas que estavam passando dificuldades. Quando um artista estava sem trabalho ou mesmo enfermo, ele encontrava um meio de deixar dinheiro “esquecido” em algum lugar, como, por exemplo, sob o travesseiro da cama do hospital; se lhe perguntavam se foi ele quem deixou tal dinheiro dizia: “Não sei nada...”, “Não fui eu!”.

Um dia, uma senhora, quis satisfazer o desejo de seu filho e o levou até Vicente: “Pronto, meu filho, eis o Vicente que tanto você queria conhecer!” O jovem, de cabeça baixa, mudo, assim permaneceu diante de seu ídolo. Vicente, tomando entre suas mãos o rosto do menino, disse-lhe: “Olhe para mim, você não quer me conhecer?” A mãe do menino, emocionada, disse: “Ele é cego, seu Vicente, não pode vê-lo!” Vicente, entre lágrimas, caiu de joelhos e abraçou o menino deficiente visual que tanto o amava, mas só podia conhecê-lo através da voz.

Vicente detestava viajar de avião, tinha pavor de saber-se a 10.000 metros de altura. No entanto viajava muito para cumprir a sublime missão, dada por Deus, de cantar para o seu povo. Cantou nos mais longínquos rincões deste País. Numa dessas suas viagens, veio à Bahia e cantou durante uma semana no Teatro do Instituto Normal Isaias Alves. Na noite da estreia, um forte temporal desabou sobre a cidade do Salvador. Vicente, acompanhado de Gilda, chegou ao teatro que, segundo ele, “deveria estar vazio... Ninguém se atreveria a enfrentar tamanho temporal...”, Vicente vai ao palco e abre um pedacinho da cortina, uma grata surpresa o esperava: a plateia repleta aguardava o seu cantor maior. Vicente, abraçado a Gilda, chorou ao ver a fidelidade do seu público, o prêmio maior para aquele que doou a vida ao seu povo e à canção brasileira.

Essa turnê só lhe rendeu o aplauso e a gratidão do povo, pois o empresário fugiu para a Argentina com todo o dinheiro. Um dia, antes de ensaiar para uma audição, quando comentaram o assunto, na minha presença, somente ouvi de Vicente palavras de compreensão e de perdão “ele estava precisando do dinheiro...deixe pra lá...” e encerrou a conversa.

Gilda me prometeu que ouviria as canções inéditas de Vicente. Leon Barg, através de um enorme esforço e minucioso trabalho de recuperação, está cumprindo a promessa de Gilda e realizando o meu sonho. A REVIVENDO traz até vocês, com um pouco de culpabilidade minha, um Vicente pouco ouvido, um Vicente “novo” cantando Igualdade Ilusória, Ó Pálida Madona, Al Telefono Com Te e tantas outras canções inéditas, todas gravadas em fita, muitas delas para a novela Alma de Palhaço, de Gilda Abreu, levada ao ar pela Rádio Nacional do Rio de Janeiro, como é o caso de Ó Pálida Madona, cujos versos pertencem ao poeta baiano Castro Alves. Outras canções foram gravadas “ao vivo” dos espetáculos teatrais, inclusive Ciúmes.

Ouçam estas canções inéditas de Vicente Celestino, A Voz Orgulho do Brasil, que quase viu realizado o desejo de morrer cantando para o seu público.

VICENTE CELESTINO - VOLUMES 1, 2 E 3

VICENTE CELESTINO - VOLUMES 4, 5 E 6



DOM ROBERTO GARRIDO PADIN


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