Vire o Vinil

Zé Roberto em: A Lotus 72D de Fittipaldi e outras histórias

quinta, 28 de janeiro de 2021

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"Lotus, Lotus, Lotus 72 (Dê, Dê, Dê)..."

Assim começa o "clássico musical automobilístico" de Zé Roberto, lançado no ano de 1973.

Você conhece? Vamos fazer o seguinte! Chega no suingue, ouça e a partir daí conto um pouco das histórias por trás da carreira do Sr. Joaquim Roberto Braga, com quem tive o prazer de papear por algumas horas.


Carioca do bairro da Saúde, teve como influências musicais o cantar de sua mãe e as habilidades como guitarrista de seu pai, o Sr. Joaquim. A exemplo do que era comum nas rádios daqueles tempos, nos encontros familiares eram promovidos uma espécie de show de calouros, onde o jovem José Roberto (seu nome de batismo) já mostrava certa desenvoltura e que levava jeito para a coisa.

Mesmo sendo um exímio instrumentista, a música na vida do Sr. Joaquim não passava de um hobby, já que era militar e tinha como meta que o filho seguisse o mesmo caminho. 

Bem! José Roberto entrou para a Aeronáutica e a princípio até que seguiu o que seria o destino desenhado por seu pai, mas foi ao realizar uma patrulha que tudo começou a fazer sentido...

Estava José Roberto devidamente fardado quando lhe foi dada a missão de subir o morro, a localidade seria o Buraco Quente, onde ficava localizada a quadra da G.R.E.S Estação Primeira de Mangueira. Isso por si só já daria uma bela história, mas não só poderia como ficou ainda melhor. 

O superior que acompanhava José Roberto naquele dia já era conhecido da área e eis que aparece um homem negro e franzino que acabara de sair do samba e estava descendo a comunidade para ir ao trabalho, onde coincidentemente também era militar. Parou, bateu continência e ficaram de papo, até que o ainda militar José Roberto foi chamado a participar do assunto e apresentado ao indivíduo em questão, Antônio Carlos Bernardes Gomes, mais conhecido por nós como Mussum e que já naqueles tempos era membro do Originais do Samba. A partir daquele momento surgiu uma amizade, onde o grupo acabou por gravar "A Subida do Morro", no ano de 1971, escrita por José Roberto em parceria com Lelê


Ao ver sua primeira música sendo executada e chamando a atenção do público, José Roberto optou por abandonar a vida de militar, fato que o levou a se mudar para a cidade de São Paulo, onde passou a se apresentar em casas noturnas.

A vida de músico é corrida, nesse caso literalmente foi, pois durante um momento de lazer em família, José Roberto ligou a TV e lá estava a pista de Interlagos e o Grande Prêmio do Brasil de Fórmula 1 do ano de 1973. Ao ver Emerson Fittipaldi na pista, bateu a inspiração que faltava, então pegou papel, caneta e o violão e antes mesmo que a corrida terminasse, "Lotus 72D" estava pronta.

Quem ganhou a corrida? Fittipaldi, claro! Tudo conspirou a favor, levando o ainda José Roberto a incluir a nova música no repertório de suas apresentações realizadas na Churrascaria Barricão, localizada nas imediações de Santo Amaro. A música se tornou um grande sucesso dentre os frequentadores da casa e eis que em uma noite apareceram dois diretores e um técnico de som da gravadora RCA, e assim rolou a proposta para gravar um compacto, que além de "Lotus 72D", contou com outra composição própria, "Você Tão no Alto e Eu Tão Pequeno".


As gravações foram realizadas nos estúdios da RCA, mas antes do lançamento viram que José Roberto não seria um bom nome para cantor, abreviaram para Zé Roberto e até então tudo certo, por pouco tempo...

O trabalho contou com a coordenação artística de Henrique Gastaldello e o responsável pelos arranjos foi Severino Filho (do grupo Os Cariocas). Dentre os instrumentistas há destaque para as congas que foram gravadas por Rubens Bassini, a bateria ficou a cargo de Dirceu Medeiros e o coral que acompanhou Zé Roberto foi o mesmo que realizava trabalhos na sede paulistana da Rede Tupi.

A exemplo do que se via nas casas noturnas, a música estourou e assim começaram a surgir convites para participações em rádio e TV. Em uma dessas ocasiões, ainda morando em São Paulo, fez uma ponte área para o Rio de Janeiro, onde gravaria na TV Tupi o programa "Almoço com Estrelas", apresentado por Aérton Perlingeiro. 

Acompanhado por um profissional que atuava na gravadora, ao chegar aos estúdios no bairro da Urca, foi muito bem recebido, se encontrou com uma legião de outros artistas e realizou sua apresentação. Um fato no mínimo inusitado aconteceu durante o intervalo, quando foi abordado por um homem raivoso e indignado que alegou ser um divulgador e que insistia em dizer que o nome artístico "Zé Roberto" já estaria sendo utilizado pelo seu artista e o mesmo não abriria mão em hipótese alguma, já que tinha mais tempo de carreira.

Todo o episódio foi reportado à matriz da RCA e ao retornar para São Paulo, ficou decidido que o ideal seria a mudança do nome artístico. José Roberto, que já havia virado Zé Roberto, não gostou muito da ideia, mas decidiu que só aconteceria a mudança se ele próprio pudesse fazer a escolha, que acabou por ser Paulo Braga, alegando determinado motivo, e assim aconteceu.

No ano de 1974 mais um compacto foi gravado, contendo a música "Crioula Multicolorida", na qual, curiosamente, o nome artístico utilizado foi José Roberto, o mesmo recusado na primeira gravação. Em 1976, agora em definitivo como Paulo Braga, gravou o álbum "A Hora e a Vez do Samba", com destaque para a música "Barra da Saia".



Suas músicas seguiram sendo gravadas por outros artistas como o pianista Luiz Carlos Vinhas ("Tome Cuidado com o Bode"), Os Originais do Samba ("Jogo Numerado"), Bebeto ("Virada da Maré"); dentre outros. Paulo Braga seguiu tocando em casas noturnas e excursionou por países como Argentina e Japão, sendo que neste último optou por ir morar e ficou por 24 anos, mas a saga dos nomes não deixou de se fazer valer, mesmo que do outro lado do mundo. 

Logo que chegou em Tóquio, passou a se apresentar nas casas locais e por meio da divulgação realizada atraiu um grupo de empolgadas musicistas locais apaixonadas por Jazz e Bossa Nova, que ao saber quem seria o artista a se apresentar naquela noite, fizeram reservas e lá estavam a esperar pelo início do show. Não demorou e as moças solicitaram ao gerente da casa ver o artista antes do início da apresentação, alegando que já haviam se conhecido no Brasil, e assim foi feito. Ao chegar na mesa, uma intensa troca de olhares aconteceu entre as presentes, até que uma das meninas resolveu dizer:

"Não! Esse não é Paulo Braga do Brasil. Não encare como ofensa, mas o Paulo Braga que conhecemos não é negro."

Ahhh... O José Roberto, que se tornou Zé Roberto e que adotou o nome de Paulo Braga, justamente alegando que na sua opinião se tratava de um legítimo "nome de NEGÃO", não era o esperado, na verdade se tratava de Paulinho Braga, baterista que durante anos acompanhou a cantora Elis Regina

Moral da história: o mal entendido foi revertido, as moças ficaram para a apresentação e adoraram, acabou que se tornaram grandes amigos. No que diz respeito à situação envolvendo o nome, acabou por exigir uma atitude drástica, uma nova troca que desta vez foi escolhido após um bom tempo de pesquisas, para que não houvesse mais nenhum problema. JOAQUIM ROBERTO BRAGA foi a nova escolha, em que resolveu unir o nome do pai (Joaquim), ao seu segundo nome (já que foi batizado como José Roberto) e o Braga, só de raiva; e que ninguém mais invente um novo motivo que o faça mudar novamente...

Hoje o Sr. Joaquim segue ativo na carreira, compondo e novamente morando em São Paulo. Viu mais de 40 anos depois sua "Lotus 72D" ser aclamada por um inesperado público jovem a partir do relançamento pelo selo britânico "Mr. Bongo", onde passou a tocar em eventos e tem mais de dois milhões de visualizações entre os vídeos que se encontram no YouTube.

Fica o meu agradecimento pela imensa simpatia que o levou a topar levar esse papo comigo e foi incrível. Quem quiser trocar uma ideia com ele ou comprar uma edição do compacto, só acessar: http://www.joaquimrobertobraga.com.br/

Jonn Nascimento

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